segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Me refiro ao tempo

Ele acena pra nós de pulso preso a ponteiros que fingem sair do lugar,
O relógio tem frequência, batimento,
quer nos enganar
fazendo-se parecer com o que nos oxigena.

O tempo não sai do canto,
não é fragmento,
não nos retém, nem se aglomera

Tempo dissolve-se feito espuma de areia,
ou pedaços de luz
Não se apaga, apaga
paga e esconde a conta.

A ponta do tempo aponta sempre pros mesmos números,
um, meia-dúzia, uma dúzia
a ponta aponta,
arrodeia,
Engrenagem.

Começo e final são o mesmo,
Tempo é coisa indiferente.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Desesperai-vos

Acorde todo dia de manhã, com o Sol já conseguindo abafar seu sonho, tornando-o pesadelo,
Desça escadas com fome, encontre geladeira sem ordem, com muito e nada.
Beba a mesma água de sempre, em goles barulhentos, porque não há companhia pra lhe medir,
Pise seus pés compridos sobre pétalas de flores brancas,
Macio.

Siga à almofada, cadeira branca sob onça,
o vermelho é onde ficam os pés.
E comece

Digira, ouse, tenha fé.
Tenha medo de fazer, porque você sabe que quando faz algo é pra valer,
Tenha medo de acertar demais,
De propor coisas que nunca se havia pensado antes,
Tenha medo do sono,
das spiders que se escondem aqui e ali.
tenha medo da má sorte de ouvir o sacerdote das lamúrias.

Faça, mas só faça até você terminar
E tenha medo de engordar, de enfeiar, de surtar,
Só não me venha com este medo de ousar.

Ouse e vá à praia,
de preferência àquela no meio de pessoas simples,
aquilo faz tua alma bem.
Ouse para todos os lados, para cima e em cima.

Goze, ame, acorde com quem lhe apoia,
Deixe as palavras para o papel e os gestos para a vida,

Precipite-se junto com as águas e faça as palavras molharem,
porque elas aguçam sentidos e enxarcam a alma,
explicam o mundo
e tangenciam a sanidade

Não pare
Desespere-se.
Risque, amace, apague, isto tudo é papel,
é coisa reciclável.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Sobre dedos

Ele se encostou na parede fria e branca bem ao meu lado.
Sua estatura era quase a minha, sendo menor duas unidades de dedo.
Tu tá acompanhando alguém?
Não, vim arrumar meu dedo. É só uma besteirinha, mas não consegui atendimento em outro hospital, acabei vindo aqui mesmo.

Calados, olhávamos um homem que sentado segurava o braço de extremidade ensanguentada, havia perdido duas unidades de dedo numa máquina.
A impressão que eu tive é que a máquina era tão íntima da violência às garras de quem a utilizava, que ninguém nem lembrava de dizer que máquina era aquela. Era a máquina. Implícito ficava: aquela que sempre corta dedo.
A máquina demonstrou seu potencial destruidor na fala da mulher, a mulher do homem que esperava suturar o que sobrou dos seus dois dedos.
Quando falei que achava incomum algumas pessoas adaptarem-se a um contexto tão vermelho, ela veio dizer que sempre trazia muitos homens cortados. Eles se cortam na máquina e eu sempre os trago. Acostumei. Aquele dia fora seu esposo.

O rapaz de verde, com a insígnia nas costas de Zelador, atentava pra minha conversa besta de quem cortou o dedo e sangrou pouco. Me cortava, sem me fazer precisar de pontos, demonstrando que era uma pessoa que já viu muito sangue ser derramado. Ontem mesmo foi um cara que levou uma facada, o ar saia de dentro do buraco. Eu dizia eca, seguido de um ‘já chega deste papo’ simpático.

Sangue seco era ao que o homem barbado, encoberto de pobreza cheirava. Ele veio e dividiu o corredor conosco. Eu, sem suportar o cheiro, encostei meu olhar numa grande instalação, um aparelho de qualquer coisa indispensável ao funcionamento do hospital. Por causa do cheiro nauseante, lembrei-me muito bem que sou pessoa muito curiosa. Passei os muitos minutos, enquanto aguardava a ausência do homem, olhando atenciosamente os botões multicoloridos do canto do corredor. Isso ou o vômito.

Observei, sobre a moça que aguardava na maca o atendimento, que suspeitavam de traumatismo craniano (TCE). Daquele lado, ouviam-se os relatos do recém sofrimento. Este tipo de fala doída era o que mais se escutava. Todos queriam relatar as lástimas das dores sofridas.

Eu já queria ir embora. O dedo milagrosamente curou-se em instantes e eu parti. Convencida que viver produz muito sofrimento, mas antes da morte tudo sara.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

El

valhei-me que era dia de sorte e eu pensei que tivesse beirando a morte

Incendiei verbos em frases, não cheguei a bufar.

Meus olhos piscaram em desenfreio,
Ardilosos, meus lábios não se aquietaram,

Passei um dia em meio silêncio
E se falasse podia se ver fogo por entre os dentes,
o diabo tava aqui dentro

eu pensaria,
diabo entrou enquanto eu dormia mal
quando se dorme bem é porque anjo bom está guardando

eu ainda creio que meu anjo me abandona quando durmo cedo da manhã

Senti ele me visitando dias antes, mas de anteontem pra ontem foi o diabo

Ele ensopou meu dia com a raiva e com a pólvora.
Passou, passou.

No outro dia, acordei vendo dois milagres de deus,
e o diabo era deus,
eu que era o diabo.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Uma coisa que tinha

Tinha ela, aquela menina,
uma coisa em seus gestos,

um sabor encruado,
um medo de pecado, um olhar nada explicado

tinha mãos calejadas,
eram vassoura e rôdo

tinha calos nos pés,
eram passos demais

Era flor até não acabar mais,
Cheiro de flor, anúncio de voz
flor na alma,
flor no cabelo
flor de medo
flores murchas

Seio com textura de flor,
cabelos
e olhos com veludo

Dormia no jardim quando podia
Não gostava da noite,
gosta do dia.
Gasta dias gostando dos dias.
Perde horas junto com papéis,
Tudo leve pra ela, papéis e horas.
Há arrepio nela quando a esperança é vista e quando a morte vem.

Suas palavras pronunciadas eram poucas, se comparadas ao tanto que se fazia com os olhos
Ela queria falar e não sabia pro onde começar,
devolvia presentes quando não gostava
sempre falava quando a alma árdia
ainda hoje é assim.

Ela é ele,
Como poderia?

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

enlace

Mudei desde o primeiro dia que vim ao mundo, nasci vermelha, com bochechas grandes, rugas, um bebê feio e sem dentes. Minha mãe me amou mesmo assim. Não sei quem pôde amar mais, a que me carregou ou o que me quis. Sim, porque ele queria mais um filho , ela sim, mas bem menos. Elas também me amaram muito, por isso que sou tão devota.

Fui crescendo olhando o mundo como se ele fosse só aquela rua e a escola, e, também, a piscina do clube, o espelho da academia. Quem olhava via que eu carregava um ar de vergonha e de desamparo, de medo, mas vontade de ousadia, ousadia de vontade, podia-se ver um prazer enorme em chegar e um olhar que queria ver tudo.

Tinha cachos dourados e pele bronzeada, veio comigo. Tinha risada engenhosa e franjas curtas muito mal cortadas, era uma dessas crianças que cortavam gramas, cabelos, papéis. Atendia aos chamados das vozes femininas que enchiam a casa.
Não gostava de escutar críticas, por isso sempre andei na linha, quando não andava caía e doía bem no osso. Adorava a transgressão involuntária que vinha sempre depois das 19h, em cima das árvores, enquanto esperávamos a disposição paterna se deslocar pra nos salvar das areias já escuras e dos monstros imaginados da Escola.

As bananadas doces e brancas das manhãs me faziam crescer, e com um tempo ganhei a altura que sonhava ao abrir a geladeira e querer ver as coisas de cima. Certa vez, quando ainda tinha pouco mais de um metro, abri a geladeira e desejei vê-la de cima. Puxei o banquinho dos áfazeres de pai, e, ainda de geladeira aberta, fiquei a postos mensurando como seria ver aquele depósito gelado dali há alguns anos. Era o dia de querer ser grande.

Não acordei grande, mas fui desejando correr, ir mais longe, ver do alto, ter animais, ter filhos, amores, comer cobertura de bolo, tocar nas estrelas, nunca mais ter piolho.
Desejava nunca me separar das minhas irmãs, nunca ter que pedir no sinal, nunca deixar de ir visitar minha mãe no trabalho, nunca mais cortar o cabelo da próxima boneca -embora admitisse a enorme beleza das madeixas encurtadas, era ruim saber que não se podia voltar atrás. Pensava uma forma de encurtar os cabelos delas sem precisar cortá-los, achava uma pena cabelo de boneca não crescer.

Éramos as três sempre as mais ousadas que via por perto. Queríamos sempre ter em nós a marca da diferença, da criação, da vida bem vivida. Reuniamos em nossa casa, com muita facilidade, uma multidão de meninos empiolhados e cheios de sorrisos pra brincar, cantarolávamos o sucesso das rádios em cima dos muros, como se a vida não passasse dos limites da nossa voz. Não sabíamos o que nos aguardava, mas estavámos sempre certos que a aventura seguinte valeria.

Hoje me dei conta que sou adulta faz tempo e que ser criança foi das coisas melhores já feitas. Não largo a infância porque tenho nela a impressão de que tudo se emenda, que uma canção de verão cantada com força é uma das coisas mais úteis de se viver.

Tem outras coisas também que dão utilidade à vida. Gestos, amigos, risos, invenções, folhas em forma de corações, rodeadas de flores amarelas, tudo na terra cinza, traz à lembrança de uma sôfrega e carinhosa infância, debaixo de um pé que não tinha fim; me lembra que tudo começou em mim junto com aquela raíz extensa que optou livremente por se enraizar e manter-se viva. Aquilo arvoriava o lar simples, complacente e serenado. Nunca, nós, árvore e arvorados, soubemos dos pontos finais e do final das alturas, de alguma forma tudo nos foi ilimitado e burlesco, burlativo, bucólico. Borrávamos até o céu se quisessemos, adestrávamos formigas, cozinhávamos onde queriamos, reinventávamos as regras, recordavamos um passado que não era nosso, faziamos qualquer coisa.

Tenho a sensação de que os primeiros anos nunca saem de nós. Tenho a sensação de que pensar nisso torna os dias mais entregues, com noites bem dormidas, com brincadeira, brinquedo, força e risos.

domingo, 11 de outubro de 2009

Eu vou acordar

Tem dias que sonho ruim e tenho a sensação ainda velada e de olhos cerrados que posso optar por acordar,
eu desejo acordar, digo ao corpo pra ele fazer isso, mas era sonho
não se manda em sonho dormido,
nem em sonhos acordados

Sonhar é coisa incontrolada, descontrolada, sem beira, é isso.
Sonho não pode ter fim,
e nem começo,

Quando se sonha você tem que levar até o fim da vida, não se deixa de sonhar,
quando se dorme e se acorda, não dá pra dizer como se diria sobre um filme, 'o sonho acabou assim...'

eu e o sonho, somos entrelaçados:
vivo em estado de calamidade onírica,
sofro de infinidade de pensamentos,
sou um sonhador

acordo suado, molhado e sem tempo para levar sonho adiante,
sonhos antes de dormir me tiram o sono e me impedem de ver o fim do sonho de quando durmo-acordo.

Sonho, sumo, retorno.
Tudo era devaneio turvo, torto .

a vida recomeça, mas só depois de sonhar de novo que tudo vai tomar o rumo previsto,
que o prumo foi retomado,
é tudo desejo, é tudo força daqui do peito,

a vida toma fôlego,
toma chão, paredes e teto- em breve-,
e a casa tomba
de novo, chão, paredes e teto,
e tombo.
Chão, piso, ladrilho, tudo novo, cheira a víceras dando força.

A ordem: tênis, cerveja e teto
mais uma ordem: beijo, gozo, teto.

Eu quero ver uma vida que não se assemelhe a sonho.
Vida e sonho se confundem
porque só se termina pra se dar um novo começo,
então nada tem fim.
E vida é sim algo pouco real, desde que se queira.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

SER-VER-LUZ

Impressões sobre uma gente:
Cruzei as ruelas salgadas do Serviluz e do Titãnzinho há alguns dias, nunca estive por aquelas bandas e fui por lá pra saber que lugar é esse que tem nome de luz e também apelido cartinhoso de gigante. Fui. As ruas são escuras e me lembram qualquer periferia que já visitei no meu Estado, sou daqui do Ceará. Ruas que são para pessoas mais do que para carros, são para o esgoto, para os cachorros, para as pernas que andam tranquilas. Ruas que confirmam o pouco investimento que se faz na periferia. Trafegando nelas você sente o cheiro do mar e a maresia chegando na pele. Mas eu vi outras coisas. Eram pessoas saindo de suas casas, indo em direções diversas, mostrando que aquele lugar é intimo delas,. que ali se vive segundo uma lógica própria condicionada pelo lugar, pelo cheiro, pelas circunstâncias que o tornou lugar. Elas estão ali fincadas como as pedras que calçam o chão que pisam. Não senti nenhum medo, como minha mãe imaginou que eu houvesse sentido, pelo contrário, me senti segura, por que as pessoas não demonstravam sentir medo. Aquele conjunto de gestos entrava em contradição com aquilo que sempre vi sendo noticia de jornal. Vi naquela noite pessoas habitando um lugar, relacionadas ao mesmo e logo por trás das casas estende-se o mar. Eis um fator geográfico que torna esta forma de viver intrigante e digna de ser violentada. O mar é para quem pode pagá-lo.

A irônia: Quem não pagou pelo mar, quem não traz benefícios, nem suposta beleza a cidade, não pode ver mar, não pode tomar banho no mar, não pode se relacionar com o mar, imagine se pode morar do lado do mar? Estas pessoas devem ir pra um lugar onde elas poderiam ter casas melhores, mais organizadas, até mais bonitas, um lugar longe onde elas não possam ser vistas e assim vivam bem, tentando suprir seus deéficits bem longe. Longe de seus trabalhos, com condições de circulação ainda a se criar, longe de hospitais, longe do aparelho urbano (afinal, esse povo não vai mesmo pra teatro), elas fazendo isso deixam livre o lugar que ocupam durante décadas, onde contruiram suas histórias, suas famílias. E lá deve-se construir um grande estaleiro que trará benefícios inúmeros a todo o Estado. Estaleiro este que construirá de forma asseada e modernissima belos e enormes navios.

Quem quer um estaleiro?
Navios esses que navegarão pelos mares do primeiro mundo, que já descobriu que construir navio é uma coisa despendiosa, mas necessária. Despendiosa porque sujam tudo, tanto visualmente, quanto ecologicamente, resumindo é uma lambança. Pra continuar a se produzir navios e também, é claro, dar emprego a população de países menos abastados, acharam conveniente vender a idéia que em nome do desenvolvimento, os países pobres, assim como as pessoas pobres, deveriam construir navios. Então alguns Estados de um mesmo país resolveram achar que isto é verdade: "navio é tecnologia, desenvolvimento", passaram a brigar entre si e fazer qualquer coisa pra que a empresa construtora do desenvolvimento aportasse em uma de suas praias. A caprichosa empresa de barcos enormes acha que ir pra Paracuru ou pra Pecém ou até para o Pirambu(imagina?) sai caro, querem economizar ou querem ganhar mais uns millhares em cima de nossa gente? Eles querem é lucro.

O consenso sem bom-censo (pra variar):
Enfim, dizem que só ficam no Ceará se for pra ser do lado do Porto do Mucuripe, porque ali já tem tudo que é encanamento, avenida, cais e ainda tem uma bela vista da cidade. O governo diz aos donos do estaleiro: "vocês ficam, constroem esses 20 navios, empregam uma multidão de famintos por um tempo, ali nas redondezas o que não falta é gente, não pagam alguns impostos, aqui não tem lei ambiental que funcione, daí vocês podem sujar, mas tragam, por favor, o desenvolvimento a este Estado carente, nós precisamos mais do que qualquer outro. Nós atendemos todas as suas exigencias, todos os seus apelos, soltaremos fogos quando chegarem na terrinha do sol. Ah. Não querem? Então faremos uma coreografia especial com os policiais do Ronda em seus patinetes. Ah. Não querem? Nós inventaremos uma homenagem a vossa riqueza. E quanto a favelinha posso lhe dizer já está tudo certo, aquelas pessoas vão morar num lugar bem melhor, elas não vão nem lembrar que um dia moraram ali."Como ninguém pergunta nada a pobre, impõem e eles que concordem senão alguém morre, disseram: venham! E mais uma vez uma das tantas agruras de um governo inconsequente, cego e desprovido de bom-censo, está às vésperas de tornar-se fato consumado.

E aí, vamos deixar?

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A 03 e o Individualismo

Sigo até a parada. Ela situa-se embaixo da sombra de um coqueiro. A planta alta e 10 metros verticais tem um cacho bonito de cocos verdes e frondosos, com ares de doces e duros. Eles me assustam, penso todos os dias se um caisse na cabeça de um inocente usuário do transporte urbano de Fortaleza como acabaria o pobre coqueiro. Gosto de coqueiros. E o IJF é logo ali.

A Rua é estreita e cheia de movimento. Quando olho para onde os carros sempre vêm, vejo vir poeira cor de asfalto, carros com pouca pressa- os mais agoniados, e não necessariamente apressados, sempre buzinam- ônibus desajeitados e ciclistas com seus bonés.

A 03 demora ou chega depressa. Quando chega nem pára, já subi.

No dia de ontem ela veio por entre uma mágica nuvem de fumaça-negra, parecia ter vindo do inferno para me buscar.

Entrei, desejei bom-dia-pouco-correspondido. Entreguei a nota de dois reais. Recebi duas idênticas moedas amarelas, de troco. Foram pro bolso, achar bolsinha naquelas condições era pedir pra ser socorrida na próxima curva por um companheiro de luta e em seguida ter que superar os olhares curiosos, além de ter de lidar com o mais novo hematoma.

Avistei um acento disponível no ambiente mais confortável do pequeno recinto ambulante. Lá atrás.

Lá atrás salto sentada, não tenho onde segurar, Lá atrás, nunca cabe todos os cinco passageiros nos cinco bancos, Lá atrás pega mais sol, em consequência disto, meu frescor pós banho -sim, eu tenho direito a isto- é eximado em instantes.

Lá atrás fui até chegar à Reitoria.

Passamos coletivamente, como sempre, pelas tumultuadas paradas da Praça do Coração de Jesus, do Carmo, da Bandeira, Padaria, Carandiru, Farias Brito, Aqui, Cefet (a da Farmácia, tão querida, foi abolida; ainda não entendi se porque a Farmácia adiantou-se 50 metros na [Rua]Senador Pompeu ou se pela nova lei, bem cumprida de Topic usar somente parada de ônibus).

A do 'Coração', os aventureiros novos de cada dia nunca a visualizam, fato que provoca a explicação, em tom aveludado e livre de toda a pressa, daqueles que chamam trocador (o plural desta palavra é ela mesma, ou seja, os trocador)

: O Coração de Jesus é ali ó, dobra a esquina, tu vê lá a Igreja.
(gestos e mais gestos acompanham a frase)

Sacudindo-me furiosamente, em função do ímpeto velocista do motorista indo de encontro aos incontroláveis buracos da charmosa Clarindo de Queiroz,

segurando as avolumadas apostilas dos vários estudantes do Farias Brito, vou normal trafegando e trafegando, tentando esquecer que a 03 demorou mais que o 13 de Maio/Rodoviária o que induziu-me a um atraso involuntário. Nem é bom lembrar que há música no cubículo, música frenética, tráfego frenético, minha memória que não lembre depois que música era aquela.



Antes de chegar à Reitoria, acho interessante comentar sobre um belo gesto que existe e tão bem se repete dentro das apressadas 'Topics'

, o movimento de segurar objetos alheios.

Nos ônibus isto acontece, no entanto, um típico passageiro de topic, não sei se pra lembrar de sua condição humana soterrada pela sequência de agruras, quando acometido pela caridade da van ele é mais cordial que sua própria média,

vá entender.

A topic é um espaço de transformação temporaria de indivíduos.

Quando o passageiro, que ajudou o parceiro a não tombar sorrateiramente com os beiço na porta, desce do cubículo ele pensa:

É melhor ajudar antes que depois.

Entre e sinta-se em casa. Eu desço aqui.

domingo, 19 de julho de 2009

Vc

Vc
Vc sabia que nada era pra sempre, que há muito na vida para tornar-se experiência e que um dia tudo se transfomaria em dor ou em esquecimento. Vc sempre gostou mais da boa lembrança.No entanto, seus foram os dias que fizeram umas outras coisas virem.

Vc, sábia desde os primeiros silêncios, pôde provar do âmago da dor e da aventura insensata, feliz vc era, sempre fôra. As horas não lhe comandam e poucas regras lhe sustentam, vc é da noite e de quando o dia lhe quer.Falta-lhe um eixo que lhe atrele a uma linha reta, uma compreensão menos ingênua destes mundos nada bobos. Falta-lhe enganar menos o mundo com essa segurança que finge ter, sabe-se no minuto logo: não sabes aonde pisas e mesmo assim convence que não custa quase nada ser o que se é.

Vc tem cheiro de liberdade, de hortência ao meio-dia, e prudência que quer ser tudo. Não tens nada disso, pelo fato de ser mais um dos que nada detém. O mundo se transmuta como o silêncio do ar em movimento e ele lembra que nada é de todo, que pouco é para muitos.Essa impetuosidade de frênesi que é tua maior benção, contrange o mundo dos que querem paz, vc é da queda, da felicidade que esta consegue ter, porque ela automatiza o soerguimento, ela autoriza o muito ser. Esta crença de que o naufrágio é algo certo para todos aqueles que se aventuram em águas do desconhecido, promove uma comodidade em seres exatamente o que és e me mata de medo e de pavor. Vc se mistura com aquilo que deseja ser, com aquilo que já foi e com o medo de tudo que podes vir a ser.

Vc sabe envolver, mas não consegue convencer porque desiste fácil da ousadia e poderia até saber voltar atrás, mas desiste de novo em medos escancarados e fica estática em iminência do que julgas precipício.Mas sei que vc não é de parar ou de ter uma paz rarefeita. Sua paz se move pelos pêlos do seu avesso e ela lhe convence a ser qualquer coisa que queiras.

Vc é qualquer pessoa que camufla, o que é para perdurarem ao seu lado. Vc devia ser e também não devia ser quase nada do que é. Mas vc é, isto pode importar.

sábado, 4 de julho de 2009

As vezes da dor

Das tantas vezes que senti dor, que achei ser ela capaz de me matar, tive alguém bem com uma mão na minha e a outra na testa, enxugando o suor lágrimas do desespero. Sussurrando o cântico do rejunte, do analgésico, do anestésico,

Não lembrava da dor, hoje eu lembrei.

As vezes que houveram dor latente tinha alguém me abrigando, eu sempre tive muito abrigo, por que foram muitas as vezes da dor.
Meu corpo sabe o que é sofrer, agora tenho que me orgulhar porque já doeu muito,
pra dar sentido, talvez.

Sempre soube que a dor une, ela unia meus ossos,
talvez todas elas tenham feito isto tudo ser assim, de alguma forma indissolúvel.

Dor que tem como sarar é remediada. Dor que não passa é aquela da separação.
Nunca deixaram eu partir, eles temem que eu não volte.

Eles sabem que eu sobrevivo por um razão ilógica e óbvia, também.
Aprendi a espera da cura; aprendi, também, a reconhecer quando uma coisa é muito maior que eu.
Tem algo que sempre me diz que não se vive em vão, porque não se morre em vão. Não se quase morre em vão.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Coqueiro

Eu repito, depois de ouvir multidão em silêncio chegando: de hoje não passa.
Esperei os ponteiros se alinharem, o burro passar, a milicia assobiar em marcha não contida.
era a hora, 15h para a meia noite. Hora de partida e hora de chegada.

Perdi meu cachorro, o cavalo bronco, a vaca sem teta, a casa de abrigo e o que não tinha dentro. Era hora, já. Nunca vim de lá como estive naquele dia vindo. Andava em trote desimbestado, via o mar separando céu ao longe. Lembrava de quando aprendi a enfileirar palavras e a cantar com a noite, até o dia vir de dentro do mar.

Depois que me deixaram, porque eu não fazia mais sentido pra ninguém, porque eu tinha me apegado ao coqueiro e assim não parti, eu fiquei na casa de solidão a porta e de música de desgosto a sonar.

Eu sonhava com nada, queria só dar as aulas de escola a beira-mar. Antes eu achava que dar aulas provocava a repetição do sonho de desejo. Mas cada vez mais eu só praticava o sonho de dormida. Tinha muitos pesadelos, por sinal.

Conheci Mara Lúcia. Ela invadia meus dias e lembrava que coqueiro com vento faz barulho de alento. Ela nem era professora, fora minha aluna. Crescera e não tinha mais pra onde ir, só existia uma sala de aula. Embora quisesse descobrir mais livros e fazer coisa mais que ter filhos para a pesca, Mara não pôde. Ela descobriu comigo o que tem entre as pernas e soube o que não queria. A jangada de seu pai não a levava às nuvens. Ela tinha medo da estrada e de se afogar no mar que envolvia aquilo tudo, mesmo não sendo uma ilha.

Eu ilhei-me junto a ela, porque aqueles coqueiros faziam sombra boa e eu já até concordava que não precisava mais sonhar.

O que me fez partir não foi tudo ser levado de mim, nem vontade de aqui chegar. Mara Lúcia não quis vir comigo, também não foi isso que me embarcou na caminhada. Cortaram o coqueiro, e eu aqui vou plantar um outro. Soube ontem que Mara fugiu com caminhoneiro, era por isso que ela temia a estrada, pensei logo que recebi a notícia.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Deslocada

Forças vêm de poros.
colapso vem do teto e dos ouvidos:
paredes pressionam a alma
,e os sentidos
-ouvidos ou vistos-
avisam o que pode ser;
mal de louco é enxergar sozinho, com olhos fechados, também,
o paradoxo da loucura é confiar mais no que toca e ao mesmo tempo não ter tato.

Vamos aos exemplos:

Em frente ao número 69 vi moça singela deslocar um braço, domingo à noite. Ela soube se colocar.
Aqui na rua nunca vi dessas coisas não. Sem querer eu ri quando vi a cena.

Já vi na esquina uns travestis, eles sempre estão lá,
Já vi o louco querendo derrubar o portão, o do 87,
Já vi a moça do 69 sair voando,
Eu nunca mais vi aquele cão preto de pelagem brilhosa, era de enxer as vistas.
Eu nunca mais vi a solidão da noite, como era de se esperar.
É de onde tem teto e parede que vem o silêncio. A rua fala, ela é porosa.


O violino, nunca mais ouvi,
Nem o apito dos vígias da noite,
Vi fusca cor de pele grunindo para andar e pouco espaço para o dia.
Sinal de que há noite sendo acordada.

Força vem de sentir o vento vir do alto trazendo essas nuvens que lavam.

Nada é igual depois deste 'inverno' sem fim;
Isso não clarifica os exemplos?
Quis falar de força, de poros e de que quase tudo é igual.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Sobrepondo

Coloquei primeiro um nome,
depois assobiei bem alto, desde os 8 anos estou aprendendo.

apaguei uma vela bem em cima do papel,
cuspi com tudo que vinha de dentro

joguei areia, pisotiei.

O escarro era para fazer-se ir o que vem lá de dentro
A pisadela era para não ter passos da posteridade amargados
o assobio era para espantar maus espirítos.

a vela foi antes apagada pra chama da paixão se ir
antes da mandinga ser desfeita pelo mesmo fogo, agora renovado.
O que desfez papel foi chama de amor durmido dentro de mim,

Como pão durmido é duro e dormir pra mim nunca foi fácil,
preciso de chama forte para sempre me acender.
Acordar também não é meu forte,
meu forte é voar.

Tantra ou Sobre a Alteridade

Eu estive certa até perscrutar olhos que não sabiam o que dizer. Ou, talvez, antes, quando ainda no corredor estreito, abancada após mais uma aula, encontrei solução que fala. Foi isso, a junção dos dois é a explicação de minha não retaguarda. Nem entendo porque quero explicar que não me resguardei, eu sou mesmo do combate, da linha de frente, do rebuliço.





Choveu, como não era de se esperar. Conversei em silêncio sobre alteridade- o outro inseparável de nós. Me espalhei no aconchego torto da sala pintada. Refleti ouvindo The Doors, olhando paragens de tintas sob a tutela de mentes desgovernadas. Aquilo é poesia vertical, por que não? Conversei sobre a pigmentação alheia e sobre o canto dos pássaros. Chovia muito lá fora, já era 20h. Vi uma bunda pintada na parede e pensei que seria hora de telefonar. Não vejo nenhuma relação entre a bunda e o telefonema. Minha memória foi quem me trouxe isso, assim, gratuitamente. Minha memória gosta de me fazer rir.





Chegou. O que fazer? Quando tenho que saltar lembro-me sempre que dediquei anos de minha vida a fazer isso bem feito. A vida, de alguma forma, me preparou para o salto, saltei. Já tinha uma porta de carro se abrindo para que eu entrasse sem que me molhasse. Estavam ali dentro os olhos que não sabiam o que dizer. Foi a primeira vez que os encontrei. Seguimos, inseparáveis, até então. O trafego na cidade oferecia tantos riscos que eu já estava achando ruim ser tão agoniada. A boca, que também não sabia o que dizer, fez um brado em nome da conveniência. Isso me contaminou de uma forma perigosa. Eu sou tímida e me sinto sempre na iminência da morte. Tenho medo de morrer na memória das pessoas, desde pequena. Ser tímida explica um pouco deste meu medo. Por conta disso eu me tornei insistente. Quem passa, que fique. O brado me indicou que havia uma intimidade em jogo ali, eu arrisquei não perdê-la.





Meu corpo teve que encontrá-lo, não sou de deixar ninguém se debatendo em desespero sem nada fazer, ele precisava de minhas mãos. Armadilha, sabia. Ali eu deixei de vez de estar certa e atirei-me numa descompassada e perigosa aventura: eu queria retê-lo. Sabia que não podia, sabia tanto que ali estava, por cima de qualquer coisa eu estava passando de novo, em nome da abdicação de nosso encontro. Deveria abdicar porque embora sofra de vício pelo silêncio, como qualquer aspecto viciante, este não é de fácil lido. Eu não sei lidar com a solidão que o silêncio provoca. A solidão para mim é apavorante, tenho ali o pavor que o esquecimento me traz. Meu corpo se despediu dele e trouxe em si seu cheiro de esperas confirmadas e, agora, de saudade.

sábado, 9 de maio de 2009

Como chegar ao outro lado?

Foi ali que vi que tenho angústias e medos maiores que 20km de caminhada.
Quando o sol rasgava a mata pouco densa, quando a noite estava tão distante que nem era lembrada, quando eu não sabia que levava-se mais de 4 horas para cruzar uma chapada com meus pés a firme pisada.

Respirava muito naquela tarde. O que mais fazia era dar passos e respirar, a mente ora aquietava-se ora acelerava-se e eu desembestava na floração endiabrada dos meus devaneios.

E se quando chegarmos lá não houver mais transporte que nos leve de encontro a hospedagem?
E se quando chegarmos na metade do caminho eu, ou qualquer outro, tiver tanta sede ao ponto de passar mal em desmaio?
E se algum malfeitor sair do mundo fantástico ao nosso encontro?
E se eu levar uma daquelas minhas topadas que quebram osso?
E eles são todos mais novos, sendo eu a responsável pelo desatino que pode nos levar ao fim do caminho, mas pode nos levar ao sumiço absoluto. Responsável por conta de um ano, eu concluía. Bem pouco responsável então, aquietava-me.

O que queríamos eram aqueles passos desvairados, aquela noite menos distante, a incerteza e a sensação de abandonar o mundo por horas a fio. Queríamos cachoeira para lavar o cansaço. Era também nossa vontade saber-se conhecedores de mais uma mata, sendo esta desbravada sem guia, sem água, sem rota, sem fim e com chegada.
Dominávamos os passos acelerados mas confundíamos os pés, como crianças que têm medo de pisar em solo novo.
Uma hora de caminhada depois, já cansávamos da ausência de outras cores, de outros sons, das mesmas vozes, de tanto verde. Duvidávamos do nosso descanso, pairávamos sobre terra molhada. Em algum momento fingia flutuar para descansar os pés e a alma.
Descobri que dor de caminhada pode dar nas panturrilhas, ou nos quadris, ou nos dedos dos pés. Os corpos se correspondiam e falavam um ou outro o que mais doía e o que mais temia.
Eu enganei os passos e os ouvidos, fingindo que não temia nada, enquanto até as árvores que cortavam o caminho corrompiam a constância de minha respiração.

Ali vi de perto medo fundado-disfarçado, medo e precipício, sede e corrosão, força e peso, certeza de anos bem vividos, passos para insistência e tanto verde que azul ficava.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Danou-se a paz ou, acredite, meu repente

O saculejo veio pra desandar
vieram as dívidas do crédito,
a viagem para o sertão,
a flor na multidão,
a amiga na contramão,
uma formiga na inundação,

balacobaco e confusão.

Foi Cristo Jesus que me inquietou,
porque fui falar que nem tudo é seu amor;
crucificaram-me em nome
da tempestade

anunciou-se que tá chegando, tá chegando meia-noite
e nada desta trepidação se pormenorizar de vez,
Adeus bom caminho dos letrados,
há tanta palpitação e exigência, talvez me reste paciência
E pra completar, meu quarto mudou-se para cá,
Nem sei mais pra onde olhar.

Peço clemência a mesma entidade que fez voar os ingressos da tarde latente,
Serei feliz logo quando avistar meu padim Ciço em solo quente.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Persepolis

Achava antes que éramos graduais, de fases e de ápice, sem nem saber o que seria o evolucionismo. Porque acreditei, por muitos pensamentos, que cada pessoa deveria passar por fases que se assemelhavam em tempo e forma,
e a partir delas haveria o alcance gradual da mágica e distante maturidade, eis o estopim humano.
Como os anos foram passando e eu até identifiquei uma corrente de pensamento, mais remota que atual, para tal conjectura, tudo mudou. Mas antes de tudo mudar, houveram minimalistas presságios do fim. Eu achei que não fosse sobreviver ao apelo do tempo. Ele me repetia por todos os lados que nada daquilo era real, que só somos um resultado, o qual não aponta para lugar algum; somos apenas sentimentação e racionamento, senão passionais e avarentos.

A maturidade ficou mais distante. Deixei a tese cansativa de lado e comecei a entender que uns descontos são necessários, embora tudo tenha limite. Dá uma chance pra alguém se corrigir ou acertar-se a ela não é só risco, pode ser acerto. Tomar banho de rio, deixar a noite se ir, crer no futuro, pedalar no escuro, dar um beijo no ombro de quem ama, fazer uma maquiagem surgir num rosto calado, mudar a ordem dos fatores e perambular sem respostas e com poucas cores, desfilar descendo ladeira e achar que o mundo ainda será visto de olhos vivos (por que tomar banho de rio e dançar no claro puderam ocorrer antes). Limite vem com o fim da vontade.


Trafegar salvando a existência deveria ser mais comum. Tudo se mistura tanto que somente aos desinibidos de questões é dado o direito de saber dos limites. É tanto medo e confusão que existir, no sentido de estar, é afetado.
Afetamo-nos por rebuscarmos, contemo-nos por temermos e preferimos não perdoar a nada.
Cansamos a vida. Não sabemos o que fazer com o tempo. Solidificamos o sentir, enquanto ele deveria ser líquido.
Pensamos criar um mundo feliz com livros e experiência, mas volta e meia a felicidade comprova que é sentimento que gosta de oscilar. Ela atrela-se a maturidade no que ambas tem de distantes e inacabadas. Somos sempre maduros e felizes, só não sabemos como nos portar.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Ela

Desde que nasceu sabia que ninguém cuidaria tão bem dela como ela cuida dos outros. Desde que nasceu sua consciência, claro. Por que quando nasceu, embora ela diga que lembre, não sabia que havia chegado num dia de festa alheia. Era quase a hora dos convidados chegarem e ela veio antes de todos eles, quando sua mãe tinha que transportar panelas de festa, além de filho pronto na barriga. Filha, no caso, era ela.

A festa era do irmão e era festa de primeiro ano. Se juntar a família que triplicaria de tamanho em 10 anos não era tarefa fácil. E estragar a festa do irmão era tarefa mais difícil ainda. Ela veio sorrindo e dizendo ao mundo que olhos podem brilhar quando há turves, isto centímetro a centímetro. Ela sabia que aquilo ruim era sofrimento, que dor quando dói marca para sempre e que os olhos aflitos devem servir para enxergar coisas que facilitem a vida de alguém. Foi com isto que ela aprendeu que poderia ter uma missão, ela escolheu a sua: cuidar. Era segunda mãe para todo o rebento que se sucedeu no ventre materno, foram mais 12, com ela e o aniversariante, somavam 14.

Moleca de trocar fraudas de moleques, foi crescendo e fazendo sua missão de passear no mundo aflita e ajudando coisas a permanecerem intactas. Ela remexia a vida para que esta ficasse. Cresce menina, cresce. Por que tu tem que dar a luz para estes olhos miúdos que não vieram ao mundo no dia de outro aniversario. Ter chegado logo ali deu a ela o lugar de protagonista da família, o lugar de quem veio para mudar, por que nem o aniversário estava que prestasse.

Ela foi...ela foi para cidade bem grande e eu não sei, nem consigo imaginar, como seus pais ficaram diante daquilo. Acabei de lembrar, disse-me ela outro dia, que sua mãe estava operada e ela mesmo assim foi, ela acha que isto foi grandioso, por que ali ela rompera com sua primeira maternidade, a que ela não quis.

No colégio de sua adolescência, exatamente quando ela julgava dar um passo compatível com o tamanho de suas compridas pernas, ela soube continuar sua missão no mundo. Mesmo tendo sentido que abandonara os iniciadores dessa ela não a deixou. No instante do abandono era possível que ela houvesse desistido da razão de sua jornada, ela queria o mundo. E conquistou aquele mundo de silêncio e mulheres, de juventude ou velhice, por meio daquilo que a motivara.

Foi ajudando, cuidando, que ela desbravou a cidade com seus olhos aflitos, descobriu que quase nada separava a riqueza da pobreza, a pouca idade da muita idade. Por que meninas ricas eram suas amigas e freiras também, embora tivesse descoberto que é muito o que difere os lugares, as pessoas que os habitam, a beleza que os formam.

Um dia ela volta para o lugar de suas lembranças de açude e seca, e lá encontra mais alguns de seus filhos, ela não os gestava, mas os garantia no mundo. Não havia mais quarto pra ela, então achou conveniente saber de outro abrigo. Optou pela capital. Arrumou mais uma vez suas malas e foi achar seu novo lugar. Em pouco tempo achou que aqui cabia mais uma família.

A missionária, em dívida, trouxe todos o os que pôde, o mais rápido possível. Seus filhos ficaram mais próximos, todos eles. Entre amizades feitas e namoros desfeitos, ela conheceu um rapaz acadêmico e viu nele complacência e uma firmeza tímida. Encontravam-se, ou de chegada ou de saída.

De alguma forma ela resolveu cumprir sua missão também com ele. Eles casaram-se. Seus olhos grandes e sempre comovidos olham o mundo como quem sonha, como quem precisa fazer afeto, mesmo fazendo pouco sentido. Há n'ela uma bondade pronta, uma forma de pulsar frenética, o frenesi do auxílio, é visível n'ela o quanto ter esta missão cansa a espera, ela espera e quando quer alcança.

domingo, 29 de março de 2009

Sala

Eu tossia repetidamente.

A senhora ao meu lado transmitia uma insatisfação em existir que poderia até dar em convulsão. Ela tinha três ou quatro pessoas a acompanhando, não deve ser fácil ter que mobilizar tanta gente pra ir ao hospital.

O rapaz de belas pernas era acompanhado por duas senhoras bem maquiadas e com botox bem aplicado, só quem entendia do assunto saberia que a amenidade das rugas era fruto da famosa toxina botulínica.

Mais a frente, achando que não tinha a seqüência de gestos acompanhada por ninguém, estava um sujeito a limpar a sujeira difícil de seus dentes, com a mão mesmo. Dedo mindinho boca a dentro, lábios esticados para o lado e o semblante de quem tem dificuldade em agarrar o alvo. Logo em seguida, o mesmo dedo ao nariz, pra conferir a procedência do que os dentes tão bem guardavam. Sujo, estranho e desatento, foi o que pensei. Eu ri, se ele visse pensaria imediatamente que se tratava de um flagrante. Ele não viu.

Chamaram-me de dentro do consultório. Quando entrei cumprimentei aquela pessoa que julguei ser o médico. Pequeno, assanhado, mal humorado e com olhar desesperado. Desejei-lhe uma boa tarde e parti para a narrativa dos sintomas.

Tenho tossido, tenho tido febre, meu nariz fica assim constantemente, meu rosto dói, tenho dores no corpo, meu pulmão não está cheio nem está vazio, entende?

O ‘doutor’ mediu minha pressão, me auscultou e anotou no papel que eu tinha virose. Eu suspeitava, afinal gripe é uma virose. Só ainda não me convenci disto, achei tudo muito rápido para ser verdade.
Em seguida, fui encaminhada para uma sala curiosa, em disposição e em cheiro, cheia de camas de hospital e cortinas. Disseram que tomaria aerosol e depois poderia partir.

Foi engraçado tomar ‘Tylenol’ que vinha dentro de um saco pequenininho ouvindo a auxiliar cantando “Vamos fugir” e o ‘doutor’, encarando aquilo como cantada. Como era de se esperar aquele ser de diploma questionável, reagiu ao que tomou como cantada de forma extravagante e constrangedora. Bradando a quem quisesse ouvir que a auxiliar foi quem falou em fugir, se ela não quisesse a fuga não cantasse perto dele. Ali ele parecia estar bem perto da descontração. Mas parecia que ele não sabia fazer isso. Ele era desesperado demais para esquecer seu lugar no mundo. Sua risada saia com peso e seus gestos demonstravam a pouca sutileza e nobreza de sua alma.

Havia, em uma das camas, uma mulher que há 10 dias não sabia o que era usar do banheiro para fins demorados. Resultado: ela estava na iminência de fazer uma lavagem. Cheia de dores ela bradava, seus olhos diziam, pelo momento mais escatológico de sua vida: 10 dias de comida retirados de uma só vez de seu corpo, era o que ela mais queria. Afinal, ‘Tylenol’ de saquinho não burlava a dor por inteiro. Ela queria a invasão e a retirada.

Não sei quanto tempo, se muito ou pouco, as coisas permaneceram daquela forma. Eu tive alta do aerosol e parti, sem saber muito bem do que me adiantou a sala de espera.

sexta-feira, 20 de março de 2009

O trato

Sim, senhor.
Vou fazer exatamente como foi combinado. Organizarei os arquivos, farei o relatório sobre os últimos dados entregues, lembrarei também de encaminhar toda a documentação para esta empresa.

Parti em busca de um prato de comida barato e que não me desse tanto prazer.
Me satisfiz. Encontrei o banheiro com pouco branco nas paredes, com muito papel nos cestos e com muitas mulheres tentando encontrar sua beleza num espelho que já quase nada refletia. Cabelo pra cá, pra lá, um pouco de água e batom nos lábios, pra trás, um pouco de lado. Pronto. Estava, a meu ver, refeita para então voltar a tratar da minha vida de arquivos.

Atravessei a rua estreita. O calor do sol assinalava que ainda iria brilhar por toda uma tarde, o que fazia lembrar que toda uma tarde de papéis me aguardavam e eu teria mais tempo pra esquecer as lembranças daquilo que chamei amor por mais dias que o trato feito comigo.

Foi inevitável perder à tarde de esforço cansado de vista ao deparar-me com estas memórias do que não foi.
Aborto de amor sufoca os olhos, mas dá viço novo à pele. Quando eles vão, eles levam a expectativa futura, mas deixam o que havia antes e que não sei como se solidificou enquanto. Eles deixam o rastro pronto para concluir que o que é bom é o de agora, o que se quis soma-se ao pretérito perfeito.

Eu já não ia mais cumprir o que havia deixado bem claro ao telefone. Meus pés me levavam para uma parte do centro que só eu julgava ver beleza.
Cheguei lá, sentei-me, olhei para os pombos sorrateiros em meio à multidão de passos. Eles comiam sem fim. Voavam sem fim. Ficavam sem fim. Iam e voltavam, parecendo que dava pra fazer o mesmo.
Não, eu não queria fazer o mesmo. Agir disfarçadamente, voar alto e depois voltar, voar alto com alimento na boca e voltar baixo, satisfeito. Eu não me sentia como os pombos, só compartilhava com eles o fato de não pertencer a ninguém, mas eles além disto pertenciam ao lugar. Eles poderiam até ter nome, pena que ninguém os dava.

Acendi um cigarro depois da terceira tentativa. O desta vez não tinha motivos para ganhar fumaça e fim, a tarde estava quente e eu já estava entendendo o que se passava.
Eu não queria ser pombo, não queria correr o risco de ser nominada, de ter as marcas de meu corpo atribuídas ao que sou. Queria não fazer sentido e puder voar, era o que queria.

Já não fazia mais sentido, só faltava voar.

Percebia que para fazer isso meus olhos teriam que deixar de ter peso e inchaço, minha pele já apontava para o que estava acontecendo na minha alma. Eu queria ser tomada de todo pelo vôo. Aquele cigarro não ajudava, resolvi tomar água de coco, para entender melhor o que é engolir. Apaguei o que estava acesso na minha mão, juntei minhas moedas e comprei coco de copo.
Bebi como quem tinha sede de voar.
Voei até a praça onde nada faz sentido. Lá chegando não vi pombos e sim pessoas que iam e vinham, pessoas que queriam provocar, que queriam comprar ou vender. Elas não voavam. Só eu voava.
Olhei para o pequeno teatro, o maior de todos. Vi charme onde existe, quis aterrissar lá dentro, mas o vôo que me tomou aquela tarde, não me fazia ir até lá em cima para depois pousar. Fiquei embaixo mesmo, achando e sentindo que ainda voava.
O vôo das causas tristes se transmutou em vôo da solidão feliz, eu sentia cada célula minha me revelando, eu sentia a revelia do que sou. Afinal, acabara de descobrir que eu queria mesmo era voar. Ninguém voa sem saber de suas asas, ninguém aterrissa sem saber da força de seus pés, não se domina o vôo sem saber de si.
Eu já voava, vi - sim, senhor- na vitrine da loja, meus pés fora do chão.

domingo, 15 de março de 2009

O meu coco da infância:

Eu tinha apenas quase cinco anos quando descobri o quanto era bom se importar com algo que tendesse a uma personificação. Ou, como era bom cuidar de alguém, de algo.

Nessa infância, de grande quintal carregado de pulgas, tínhamos dois coqueiros que acenavam dia-a-dia suas palhas e sua altura a nós, família, que habitava a casa de número 20.

O jardim era das cadelas, o quintal, das galinhas, os dois eram dos coqueiros e a casa era da gente, no entanto para brincadeira até os muros serviam, o trás muro também assim como a rua fácil de acessar. Além de tudo, o limite do céu era por nós corrompido, na árvore driblávamos a gravidade e enganávamos aquele que inventaram para prender crianças na terra. Nem lembrávamos que aquele bairro, no qual a casa se situava, nunca deixou de ser perigoso. O perigo só ronda aqueles que lembram dele. Não tínhamos medo de quase nada.

O maior dos meus medos era o de ficar sem ter um motivo pra acordar. Lembro. Daí que surgiu a vontade de ajudar uma coisa a ser gerada. Eu escolhi no meio do delírio infantil, que delira a ação por não saber dos processos, algo que me fizesse sentir a vida permanecer. Talvez o meu maior medo fosse o da morte.

Acabei escolhendo um côco para criar.

Era um coco bem pequeno, que por não fazer sentido pra mim ele ter ido ao chão com tão pouco tamanho, acabou sendo por mim adotado.

Eu, todo dia, acordava pensando no coco, conferia se o coquinho estava bem acomodado. Acreditando que o calor faria crescer, envolvia-o numa camisa velha.

Isto tudo durou até o dia em que eu fui alertada pelas meninas que aquilo nunca daria certo.
Foi então que eu peguei o coco com a firmeza de quem acabara de aprender qual o lugar dele e joguei lá perto do muro, mais pra perto da árvore. Daí então, em alguns daqueles dias posteriores a saída do coco do seu ninho, eu sempre lembrava de fitar aquele filho por alguns instantes mais.

Isto ocorreu até o dia que outra coisa passou a me interessar mais, que outro brinquedo, que não é brinquedo, tomou formas de me mover.

E sem coco continuei, mas não me desfiz dos mistérios que são bons de descobrir.

Fôlego

A matina ainda era escura, quando tomei as forças dos meus punhos para dedilhar num teclado a minha muita vontade de não parar de alinhar letras, de alinhavar meus próprios acordes.
Como nunca sinto a manhã chegando, vou sempre me embreagando de sono e idéias, permiti que o céu clareasse um pouco para aí sim, eu ir dormir.

Mas antes disto eu quis pulsar diante do branco da tela.

Era minha vez de ser guiada por um fôlego meio cego que me apontava para uma forma bonita de expor o que se vive, o que sai dos meus poros. Estou eu aqui e este escrito que transcorre no sentido de ser apenas o primeiro. Uma espécie de nota de abertura para que eu me sinta a vontade para que me invadam.