quarta-feira, 30 de setembro de 2009

SER-VER-LUZ

Impressões sobre uma gente:
Cruzei as ruelas salgadas do Serviluz e do Titãnzinho há alguns dias, nunca estive por aquelas bandas e fui por lá pra saber que lugar é esse que tem nome de luz e também apelido cartinhoso de gigante. Fui. As ruas são escuras e me lembram qualquer periferia que já visitei no meu Estado, sou daqui do Ceará. Ruas que são para pessoas mais do que para carros, são para o esgoto, para os cachorros, para as pernas que andam tranquilas. Ruas que confirmam o pouco investimento que se faz na periferia. Trafegando nelas você sente o cheiro do mar e a maresia chegando na pele. Mas eu vi outras coisas. Eram pessoas saindo de suas casas, indo em direções diversas, mostrando que aquele lugar é intimo delas,. que ali se vive segundo uma lógica própria condicionada pelo lugar, pelo cheiro, pelas circunstâncias que o tornou lugar. Elas estão ali fincadas como as pedras que calçam o chão que pisam. Não senti nenhum medo, como minha mãe imaginou que eu houvesse sentido, pelo contrário, me senti segura, por que as pessoas não demonstravam sentir medo. Aquele conjunto de gestos entrava em contradição com aquilo que sempre vi sendo noticia de jornal. Vi naquela noite pessoas habitando um lugar, relacionadas ao mesmo e logo por trás das casas estende-se o mar. Eis um fator geográfico que torna esta forma de viver intrigante e digna de ser violentada. O mar é para quem pode pagá-lo.

A irônia: Quem não pagou pelo mar, quem não traz benefícios, nem suposta beleza a cidade, não pode ver mar, não pode tomar banho no mar, não pode se relacionar com o mar, imagine se pode morar do lado do mar? Estas pessoas devem ir pra um lugar onde elas poderiam ter casas melhores, mais organizadas, até mais bonitas, um lugar longe onde elas não possam ser vistas e assim vivam bem, tentando suprir seus deéficits bem longe. Longe de seus trabalhos, com condições de circulação ainda a se criar, longe de hospitais, longe do aparelho urbano (afinal, esse povo não vai mesmo pra teatro), elas fazendo isso deixam livre o lugar que ocupam durante décadas, onde contruiram suas histórias, suas famílias. E lá deve-se construir um grande estaleiro que trará benefícios inúmeros a todo o Estado. Estaleiro este que construirá de forma asseada e modernissima belos e enormes navios.

Quem quer um estaleiro?
Navios esses que navegarão pelos mares do primeiro mundo, que já descobriu que construir navio é uma coisa despendiosa, mas necessária. Despendiosa porque sujam tudo, tanto visualmente, quanto ecologicamente, resumindo é uma lambança. Pra continuar a se produzir navios e também, é claro, dar emprego a população de países menos abastados, acharam conveniente vender a idéia que em nome do desenvolvimento, os países pobres, assim como as pessoas pobres, deveriam construir navios. Então alguns Estados de um mesmo país resolveram achar que isto é verdade: "navio é tecnologia, desenvolvimento", passaram a brigar entre si e fazer qualquer coisa pra que a empresa construtora do desenvolvimento aportasse em uma de suas praias. A caprichosa empresa de barcos enormes acha que ir pra Paracuru ou pra Pecém ou até para o Pirambu(imagina?) sai caro, querem economizar ou querem ganhar mais uns millhares em cima de nossa gente? Eles querem é lucro.

O consenso sem bom-censo (pra variar):
Enfim, dizem que só ficam no Ceará se for pra ser do lado do Porto do Mucuripe, porque ali já tem tudo que é encanamento, avenida, cais e ainda tem uma bela vista da cidade. O governo diz aos donos do estaleiro: "vocês ficam, constroem esses 20 navios, empregam uma multidão de famintos por um tempo, ali nas redondezas o que não falta é gente, não pagam alguns impostos, aqui não tem lei ambiental que funcione, daí vocês podem sujar, mas tragam, por favor, o desenvolvimento a este Estado carente, nós precisamos mais do que qualquer outro. Nós atendemos todas as suas exigencias, todos os seus apelos, soltaremos fogos quando chegarem na terrinha do sol. Ah. Não querem? Então faremos uma coreografia especial com os policiais do Ronda em seus patinetes. Ah. Não querem? Nós inventaremos uma homenagem a vossa riqueza. E quanto a favelinha posso lhe dizer já está tudo certo, aquelas pessoas vão morar num lugar bem melhor, elas não vão nem lembrar que um dia moraram ali."Como ninguém pergunta nada a pobre, impõem e eles que concordem senão alguém morre, disseram: venham! E mais uma vez uma das tantas agruras de um governo inconsequente, cego e desprovido de bom-censo, está às vésperas de tornar-se fato consumado.

E aí, vamos deixar?

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A 03 e o Individualismo

Sigo até a parada. Ela situa-se embaixo da sombra de um coqueiro. A planta alta e 10 metros verticais tem um cacho bonito de cocos verdes e frondosos, com ares de doces e duros. Eles me assustam, penso todos os dias se um caisse na cabeça de um inocente usuário do transporte urbano de Fortaleza como acabaria o pobre coqueiro. Gosto de coqueiros. E o IJF é logo ali.

A Rua é estreita e cheia de movimento. Quando olho para onde os carros sempre vêm, vejo vir poeira cor de asfalto, carros com pouca pressa- os mais agoniados, e não necessariamente apressados, sempre buzinam- ônibus desajeitados e ciclistas com seus bonés.

A 03 demora ou chega depressa. Quando chega nem pára, já subi.

No dia de ontem ela veio por entre uma mágica nuvem de fumaça-negra, parecia ter vindo do inferno para me buscar.

Entrei, desejei bom-dia-pouco-correspondido. Entreguei a nota de dois reais. Recebi duas idênticas moedas amarelas, de troco. Foram pro bolso, achar bolsinha naquelas condições era pedir pra ser socorrida na próxima curva por um companheiro de luta e em seguida ter que superar os olhares curiosos, além de ter de lidar com o mais novo hematoma.

Avistei um acento disponível no ambiente mais confortável do pequeno recinto ambulante. Lá atrás.

Lá atrás salto sentada, não tenho onde segurar, Lá atrás, nunca cabe todos os cinco passageiros nos cinco bancos, Lá atrás pega mais sol, em consequência disto, meu frescor pós banho -sim, eu tenho direito a isto- é eximado em instantes.

Lá atrás fui até chegar à Reitoria.

Passamos coletivamente, como sempre, pelas tumultuadas paradas da Praça do Coração de Jesus, do Carmo, da Bandeira, Padaria, Carandiru, Farias Brito, Aqui, Cefet (a da Farmácia, tão querida, foi abolida; ainda não entendi se porque a Farmácia adiantou-se 50 metros na [Rua]Senador Pompeu ou se pela nova lei, bem cumprida de Topic usar somente parada de ônibus).

A do 'Coração', os aventureiros novos de cada dia nunca a visualizam, fato que provoca a explicação, em tom aveludado e livre de toda a pressa, daqueles que chamam trocador (o plural desta palavra é ela mesma, ou seja, os trocador)

: O Coração de Jesus é ali ó, dobra a esquina, tu vê lá a Igreja.
(gestos e mais gestos acompanham a frase)

Sacudindo-me furiosamente, em função do ímpeto velocista do motorista indo de encontro aos incontroláveis buracos da charmosa Clarindo de Queiroz,

segurando as avolumadas apostilas dos vários estudantes do Farias Brito, vou normal trafegando e trafegando, tentando esquecer que a 03 demorou mais que o 13 de Maio/Rodoviária o que induziu-me a um atraso involuntário. Nem é bom lembrar que há música no cubículo, música frenética, tráfego frenético, minha memória que não lembre depois que música era aquela.



Antes de chegar à Reitoria, acho interessante comentar sobre um belo gesto que existe e tão bem se repete dentro das apressadas 'Topics'

, o movimento de segurar objetos alheios.

Nos ônibus isto acontece, no entanto, um típico passageiro de topic, não sei se pra lembrar de sua condição humana soterrada pela sequência de agruras, quando acometido pela caridade da van ele é mais cordial que sua própria média,

vá entender.

A topic é um espaço de transformação temporaria de indivíduos.

Quando o passageiro, que ajudou o parceiro a não tombar sorrateiramente com os beiço na porta, desce do cubículo ele pensa:

É melhor ajudar antes que depois.

Entre e sinta-se em casa. Eu desço aqui.