sábado, 23 de março de 2013

Instintos da Varjota

Olhávamos os apartamentos da zona nobre da cidade. Dois cigarros e dois fios de fumaça, um em cada mão. Eram duas bocas, a minha e a dela. Contudo, nem mãos, nem bocas era o que importava naquele momento, os corpos estavam resguardados para as memórias. A conversa era de duas amigas. Tudo anda tão diferente que esta última informação não diz mais nada.

As cavidades dos rostos mostravam o cansaço que resolve imperar nas vidas. Cansaços do existir, das tentativas, das desistências. A felicidade também não sabia durar em canto nenhum, não era reconhecida por muito tempo. Era isso o que olhar para o alto dos edifícios fazia pensar.

Não lembro mais o que se falava, não lembro de uma linha sequer. Minha mente tem esse hábito de não ter memória para as palavras. Tenho lembrança dos sentimentos. Sentia-se, disto eu sei, que a infelicidade está alastrada, que o conforto proporcionado pelo dinheiro não é transformado necessariamente em ônus, ele implica, inclusive, em desconfortos diversos.

O bolinho de bacalhau estava crocante. Coca Zero dizendo que Quanto Mais Bonito Melhor me fazia lembrar um amor que nunca passou. Memórias espaçadas com vazios. A impressão era a de que o corpo não anda bem, de que paz vem de dentro e que nunca vai fazer muito sentido aguentarmos ter uma vida tão sofrida.

Respondendo ao estímulo dos afetos, pensamos muito, pensa-se bem. A função é apenas ser, nada mais. O exercício pessoal naquele momento era dos mais instintivos: sentar e comer. Nada mais tão animal do que matar a fome. Faz pena pensar agora que as coisas não conseguem mais serem dissociadas do nosso entorno. Não estávamos ali para sentar e comer, fomos para o alívio, era aquilo que devoraríamos a seco, caso fosse colocado diante de nós. Os instintos na Varjota são outros.


terça-feira, 12 de março de 2013

Não é todo conforto que é privilégio, nem todo desconforto que merece deslouvor.
Entendemos o contrário, mas desconforto, sem ser a ausência dos meus direitos é bom e eu gosto.