domingo, 16 de maio de 2010

passando

As nuvens voam de leste para oeste,
elas vão, ficam pairando,
são pouco óbvias, mesmo sendo sempre brancas, mesmo cumprindo o mesmo itinerário todos os dias, mesmo eu sabendo que elas são um pedaço do Mar que resolveu voar.

Elas estão voando, sentem-se paradas, pairadas,
são apenas um amontoado que fica vermelho quando a noite se acende.

A impressão que tenho é que elas não são nada,
não as toco,
só as vejo daqui de longe, no horizonte delas,
elas não me vêem, porque quem tem olho é furacão,
dizem que a Lua, quando é cheia, também tem olho,
E o olho da noite tem insônia
e eu, também

A nuvens são brancas, de rota certa e de forma e final fugazes e sem previsão,
Penso que nem tudo que é nuvem precipita,
eu digo que tudo que é gente, sim.

domingo, 9 de maio de 2010

Maria das Dores

A dor causa na boca um gosto de espera,
Há em todas as dores uma forma de anseio incontrolável
que o tempo passe e que se vire logo,
que se pise logo o momento seguinte.
No delírio,
chega-se a querer uma outra forma de dor,
isto é o mesmo que desespero.

A dor não chega a ser apressada,
ela depende de seu dono, o obedece,
Para que ela passe logo
se tem que olhar para o lado, comparar, comparar sentimentos,
tem que olhar pra trás,
produzindo uma espécie de nostalgia que faz gostar do ruim e do que passou
e não daquilo que tinha até cor.
A vontade é de comparar,
se possível for, comprar e tomar um remédio pára-dor.

Dores podem, por vezes, chegar com pressa,
como se quisessem tomar uma vida, ver sangue,

Dor passa, é substituída e finge que nunca existiu.
Sua passagem torna a vida, de certa forma, heróica,
Fazendo fingir que é eterna.
Dor lateja e engana.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Jerimum

Arreganhou as narinas naquela gargalhada. Porque escolhera ser pessoa contida, achou que seria insuportável que alguém visse que suas narinas eram tão largas, encostou sua mão em seus lábios, de modo que seu nariz permanecesse encoberto tempo suficiente para as narinas fecharem-se.

Aquilo era um riso, uma forma de fazer soar a espontaneidade, uma maneira do senso mostrar-se descontroladamente, o senso estava a olhos vistos, as narinas não podiam estar.

Jerimum era como o chamavam. Era um apelido que fazia mais sentido do que seu próprio nome. Seu nome era Ervasir. Seu pai que havia morado 6 meses nos Estados Unidos, conheceu sua mãe, que sempre fora uma setentista inveterada, casaram-se numa cerimônia mais experimental do que qualquer outra coisa e unidos resolveram viver numa harmonia meio frouxa. Eles tinham um cão, sempre era pincher.

Jerimum era rapaz descontraído, de escolher muito o que fazer, escolhia muito bem os gestos, os livros, os alimentos, as bocas que conseguiria abocanhar. Seu apelido era tão antigo que nem lembrava direito se a história a seu respeito tinha mesmo acontecido.

Diziam as crianças que ele parecia as abóboras cortadas para o dia das bruxas importado. Os meninos viam aquelas abóboras na televisão, nos livros, em lugares que eles não conseguiam dizer onde e achavam semelhança entre Ervasir e o formato de monstro leguminoso. Ervasir não demonstrava fúria diante da brincadeira em si, seu furor ficava para uma discussão incomum à sua idade, à sua origem, aos seus poucos dias. Ele queria sempre deixar claro que aquilo não era uma abóbora era na verdade um jerimum. O apelido pegou, os meninos não entendiam muito bem sua insistência em diferenciar coisas iguais e nem entendiam que ele queria na verdade dizer que as duas coisas eram uma só, eram a mesma coisa, que os meninos estavam errados em chamar de abóbora uma coisa que era também o conhecido jerimum.

Ervasir, sempre medindo seus gestos, sempre ensinando a se fazer o certo, cresceu sendo Jerimum. Chateando-se com coisas incompreensíveis, seguiu.

O vi dia desses, coçando seus poucos pelos dos braços como se escolhesse tocar sua pele de forma suave, encravar suas unhas bem cortadas na medida exata da sempre leve coceira se dar por coçada.