segunda-feira, 11 de julho de 2011

Desaviso

Fátima deixou na porta de sua casa um papel afixado com goma de mascar adoçada com aspartame. Seu hálito precisava de recursos como estes para não espantar as expressões dos rostos que encontravam bem de frente com o seu. Fatinha bem queria saber porque sua boca tinha aquele fedor de boca de esgoto. Ela assimilava isto com estas mesmas palavras. Via nisto uma possibilidade de atrever-se ao dilema de sua vida, sua boca odorenta.

A moça de olhos castanhos, de cabelos castanhos, de pele de uma cor que a borrava aos olhos de muitos, importava-se, sinceramente, muito pouco com os odores de suas gofadas. Não sabia de nenhuma vantagem naquilo, mas não parava para medir as desvantagens que poderiam lhe parecer absurdas.

Toda a questão para ela não girava em torno de nada, era aquilo e pronto. Chicletes, dentes e novos cheiros. Nada além. Na manhã da porta da casa, do papel escrito a lápis, preso por 'chiclete' branco sem gosto de nada, ela desavisou que não chegaria para dormir. Despreocupada, Fátima não informou para onde iria, contudo conseguiu a dizer que algo muito novo acontecia e que mesmo assim ninguém precisava alarmar-se. "Hoje, dormirei na casa da amiga Dora". Ninguém conhecia Dora.

A goma de mascar imprimiu nos lábios o primeiro movimento. Eles não souberam o que fazer diante de tanta saliva, de tanta vontade. Isto acaba mesmo com corpos nus.

O desaviso funcionara, Fátima vivia aquilo que lhe parecia agradável. E não havia quem se importasse com seus sumiços, com seus desavisos. Fátima fora curada de um mal que não sofria, o qual não lhe avisaram existir, pela marca de chicletes sem açúcar.

domingo, 20 de março de 2011

culpados

Meu peito tava era gritando. Como ele não fala, como deveria, como grita, ele diz coisas que poderiam ser evitadas caso eu tivesse tomado mais cuidado. Ele ta irritado avisando que não pode conviver com toda esta entrega que venho fazendo, esta ausência dos compromissos e este acesso de vontade irrefreada.

Pobre do meu peito, tem que me agüentar só pra porque não pode me separar de mim. Por mim, o deixava ir, pra ver se ele viveria melhor as paixões dele com outra mentalidade o guiando, destas paixões calmas que todos falam, mas eu não saberia viver sem aquela pressa que é só dele. Com aquele fôlego de coração dedicado, vivo e permissivo.

Eu adoro meus batimentos e não viveria sem eles. Terei de cuidar para que não haja mais chateação. Tudo agora depende desta mente que está ficando velha, mas que deve calcular melhor para onde levar o corpo.

Ah! Mas vou dizer, isto tudo também é culpa do coração que finge que é mudo e fala a todo instante, enche-me de sangue bem oxigenado e me leva para frente destas batalhas com tamanha entrega. Ele gosta até de beirar a boca e depois resolver acalmar-se. Ele também não sabe o que faz.

Temos cada um algumas parcelas de culpa.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Sobre Fortaleza

Aguentei tua alma murmurando em meus ouvidos por tanto tempo
que deixei de entender de almas simples
as encontro e logo as rejeito

Tua fronte degenerada só me demonstra que o teu íntimo produz deturpações por ele mesmo

Perdoando o mundo para cativá-lo
Grune alto se ele não te perdoa
És o bicho mais ardente que a terra já fez
Se fostes feito de areia nunca ia ser carregado pelas forças da natureza

Fortaleza não cai com o vento,
esta emoção toda que levas e trazes com as expressões que são sem esperas
são rápidas e de supetão
promovem os sulcos do teu rosto, alegando que és mais vivo que muitos dos vivos

Teu corpo poderia enroscar-se em qualquer lugar
Mas a tua alma é presa em firmamentos que puxam dos teus pés
à medida que qualquer palavra pode lhe colocar em cheque.

És das criaturas amarradas, por barbantes enlinhados, ao chão
Desfazer o nó poderia ajudar-te, mas eu não saberia o que fazer depois.

sábado, 29 de janeiro de 2011

gestual

No lugar onde vivi por muitos anos, tudo, pra se tornar ação, precisava fazer algum sentido. Caso não se cumprisse a prerrogativa, algo muito grave poderia acontecer com aquele que agia. O que acontecia, na verdade, era que esta era uma crença e ninguém sabia ao certo se descumprí-la implicava em qualquer sanção das partes divinas.

O tempo passou muito até que um belo rapaz ameaçou os sentidos de todas os gestos. Ele veio sem sentido parar ali. Era vivo como todos os outros, mas alegava que não sabia ao certo como chegara no vilarejo. Sua primeira ameaça, um anúncio de importunação a uma suposta ordem do lugar.

O rapaz percebeu que a ficção daqueles vivos era diária e que o que se dizia era para dar uma aparência qualquer ao que se vivia. Os parentes, quando se viam, perguntavam um ao outro dos sentidos dos atos, era a forma de se dizer como tudo deveria aparentar. Os encontros eram aulas de conduta. Mas a prática era somente aquilo de todas as manhãs até os finais do dia, somando-se ao sono das madrugadas, era aquilo de fazer tudo para que alguma coisa fosse feita no final.

Jovem como um cacho de bananas verde, o rapaz, não entendia nada daquilo, viera de um lugar onde as coisas são grandes e nada fazia sentido. Ele me contou certa vez, que nas ruas as pessoas são muitas, em seu lugar, e elas são desconhecidas e vivem, vivem cheias de intuitos. Elas agem, crescem, reproduzem-se e morrem como se pudessem ter sentido, elas são enterradas mortas, pensam purificar-se depois de cometerem alguns delírios e agem somente quando podem, sabendo inteiramente a razão de cada coisa. Por saberem demais, descobriram que quase nada faz sentido. Muitas delas acham-se desprecisadas de finalidade, outras morrem-se por acharem que desprecisam da vida. Fui daqui para lá e não sei, não sei mais de nada.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Botton

A vontade de produzir um tecido bonito para ornar uma pele que anda meio sem brilho veio com um fim de tarde meio cinza, metade azul
Tomei vários resumos de idéias, umas conclusões trágico-cómicas daquelas que tenho em minhas trajetórias diárias de lido familiar.
Percebi alguma coisa antiga, das mesmas que vivo percebendo
Lembrei-me de algumas ruas cariocas e aquele meu tipo de solidão feliz desacostumada com o piso de outro ar.
A impressão é que os círculos que fiz eram pequenos e constantes, andava em círculos pequenos.
Estava presa a umas duas ideias que me faziam estar no chão e estar circulando.
Ainda havia tempo, antes que inventassem as cordas das pernas e das mãos, eu ainda poderia me fazer desamarrada. Era só um pouco de força, um pouco de água, um médio de paciência, algumas conclusões de adeus. E?
Já poderia produzir um novo conjunto de impressões. Ao menos teria logo em breve minha alma lavada e um ornamento novo para me enfeitar.