domingo, 28 de março de 2010

Se puder esquece

Deixo que você vá, mas só com uma condição,
que você sempre me traga de volta quando minhas forças acabarem-se,
que você seja a justificativa de minha loucura,
a insanidade que reservo aos dissabores, às euforias.

Deixo que você vá e que seja bem feliz,
mesmo sua ausência estratégica tendo consumido parte de minha paz.
Sendo eu também responsável,
deixo, afinal não tem mais jeito e perdemos a sutileza.
E por pouco não perdemos também a delicadeza.

E nem vou querer olhar daqui se alguém conseguiria te fazer tão bem ou tão mal quanto eu. Vou ficar aqui com estas tantas coisas que estou sempre escolhendo,
com uma força que sai das minhas encostas,
com uma aventura desleixada que me acompanha, uma preocupação de astúcias,
tecendo uma vida.

Pode ir, nós sempre seremos felizes.

terça-feira, 23 de março de 2010

Perto dela

Ela chegou,
ela e seus nervos.
O casal sentou-se a beira do banco amarelo, olhou para o ar. Sim, porque trás dele não havia nada.
Respirou-o.
Caminhou sobre ele.
Estes nervos são fortes mesmo, pensei.
Desfilou fazendo-se ver pelos passantes,
Falava baixo com ninguém -era o que se via
Ela podia morar ali que ninguém se incomodaria,
Era o que todos faziam entender,

Ela e seus nervos, moravam onde os ônibus param -já estava vendo-os, todos eles saltando de seus cabelos, braços e cotovelos.
Todos os dias flutuam, conversam, alimentam-se de sonhos emprestados, de tudo aquilo que lhe dão.
Ela toma qualquer imagem que a ofereçam como começo para mais um de seus sonhos, ela come imagens.
Ela dorme embalada por sua próprias canções.

Se tem família?
Tem pessoas que querem não lembrar.
Isto pode ser uma família, uma forma de estar, de vir.
Da forma como vai morrer?
Me parece que de fome,
fome de tanto esperar o trem.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Fora

Inventei um novo desafio:
ver de fora.

Remontando cenas acontecidas a partir de um espectro novo
penso que conseguirei sentir de uma outra maneira,
o pensamento, como qualquer outra coisa de mim, também me leva ao êxtase.

Fui e voltei, fui e voltei,

tentei, por vezes, concluir a beleza do encontro como se eu o visse acontecendo,

Cada toque
cada peça a menos
cada minúcia sedutora,
olhos, corpos, bocas
o fim de toda a lucidez,

mas não adianta
não consigo, só consigo enxergar de dentro,
só sei do que se passou aqui dentro,

Não, não sinto muito
Posso dizer que te sinto muito.

quinta-feira, 4 de março de 2010

De ser mulher

O lugar mais comum do mês de Março é a mulher.
Eu, como tal, como membro do grupo que cruza a porta nomeada de 'ela', se enxuga em toalha rosa e apreende, desde o berço, a arte de segurar bonecas, tenho de me localizar. Quero estar bem neste lugar-comum.

Mulheres de Chico, chicas de chicas, mulheres de Andrés, de Joãos. Mulheres de ninguém, de cães, da rua, da vida, dos muros, dos sonhos, dos livros. Mulheres de uma luta única, de timbre singular. Cada uma com sua cruzada de perna, com sua jornada diária, com um jeito de olhar, de sentir-se bela, notada, anotada, fotografada, sonhada, apagada.

Papel feminino é coisa sempre remontada, tomaram os pedaços do que era ser mulher e saíram colando um a um. Neste movimento de rejunte daquilo que fora fragmentado, destruído e até queimado, surgiu um ser que se move em gestos. Cada papel recolocado fez pensar que pedacinhos do que se é ser mulher precisam ser pensados, retocados, postos em um formato delicado, autêntico, voraz.

No rejunte, perceberam que somos de ter coisas só nossas, tão particulares que fazem pensar que existem mais do que dois gêneros. Ser mulher é coisa tão nossa que quando se fala parece até que homem é uma outra coisa, sem significância tão grande quanto nós. Tendemos a sermos densas, profundas, meticulosas, sagazes e isto tudo tem ganhado valor num tempo que avança incansavelmente em dizer-se o mais consciente e onisciente de todos.

A essência feminina ocupa o topo de uma lógica que olha para a própria espécie e a louva. O papel da mãe mulher é exigido. Os retalhos de papéis lançados aos ventos, soprados em todos os outros tempos, unidos, formam a única salvação para o que o trajeto tortuoso criou. O fim só se salva pelo o que é capaz de gerar um bom começo. Mulher, mãe, seu jeito de sentir.
O louvor deste mês vai para o feminino, à fertilidade, à força emocional, à composição de ser mulher.

azulado

me perguntaram até onde eu posso voar, eu não soube responder,
era uma criança, era na praia, o Sol batia cruzado, nem tão fraco como poderia pra me fazer...planar.

duas voltas em pensamentos desconfusos depois, respondo:
meu corpo sabe voar de avião, mas eu agora voei até aquela nuvem.
olhos tomam a nuvem nas mãos,

eu também.
riso suave de quem reconheceu que sempre voara.
pés esfregando-se na areia limpa de Mar,

boas lembranças têm cor azul.