segunda-feira, 27 de abril de 2009

Danou-se a paz ou, acredite, meu repente

O saculejo veio pra desandar
vieram as dívidas do crédito,
a viagem para o sertão,
a flor na multidão,
a amiga na contramão,
uma formiga na inundação,

balacobaco e confusão.

Foi Cristo Jesus que me inquietou,
porque fui falar que nem tudo é seu amor;
crucificaram-me em nome
da tempestade

anunciou-se que tá chegando, tá chegando meia-noite
e nada desta trepidação se pormenorizar de vez,
Adeus bom caminho dos letrados,
há tanta palpitação e exigência, talvez me reste paciência
E pra completar, meu quarto mudou-se para cá,
Nem sei mais pra onde olhar.

Peço clemência a mesma entidade que fez voar os ingressos da tarde latente,
Serei feliz logo quando avistar meu padim Ciço em solo quente.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Persepolis

Achava antes que éramos graduais, de fases e de ápice, sem nem saber o que seria o evolucionismo. Porque acreditei, por muitos pensamentos, que cada pessoa deveria passar por fases que se assemelhavam em tempo e forma,
e a partir delas haveria o alcance gradual da mágica e distante maturidade, eis o estopim humano.
Como os anos foram passando e eu até identifiquei uma corrente de pensamento, mais remota que atual, para tal conjectura, tudo mudou. Mas antes de tudo mudar, houveram minimalistas presságios do fim. Eu achei que não fosse sobreviver ao apelo do tempo. Ele me repetia por todos os lados que nada daquilo era real, que só somos um resultado, o qual não aponta para lugar algum; somos apenas sentimentação e racionamento, senão passionais e avarentos.

A maturidade ficou mais distante. Deixei a tese cansativa de lado e comecei a entender que uns descontos são necessários, embora tudo tenha limite. Dá uma chance pra alguém se corrigir ou acertar-se a ela não é só risco, pode ser acerto. Tomar banho de rio, deixar a noite se ir, crer no futuro, pedalar no escuro, dar um beijo no ombro de quem ama, fazer uma maquiagem surgir num rosto calado, mudar a ordem dos fatores e perambular sem respostas e com poucas cores, desfilar descendo ladeira e achar que o mundo ainda será visto de olhos vivos (por que tomar banho de rio e dançar no claro puderam ocorrer antes). Limite vem com o fim da vontade.


Trafegar salvando a existência deveria ser mais comum. Tudo se mistura tanto que somente aos desinibidos de questões é dado o direito de saber dos limites. É tanto medo e confusão que existir, no sentido de estar, é afetado.
Afetamo-nos por rebuscarmos, contemo-nos por temermos e preferimos não perdoar a nada.
Cansamos a vida. Não sabemos o que fazer com o tempo. Solidificamos o sentir, enquanto ele deveria ser líquido.
Pensamos criar um mundo feliz com livros e experiência, mas volta e meia a felicidade comprova que é sentimento que gosta de oscilar. Ela atrela-se a maturidade no que ambas tem de distantes e inacabadas. Somos sempre maduros e felizes, só não sabemos como nos portar.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Ela

Desde que nasceu sabia que ninguém cuidaria tão bem dela como ela cuida dos outros. Desde que nasceu sua consciência, claro. Por que quando nasceu, embora ela diga que lembre, não sabia que havia chegado num dia de festa alheia. Era quase a hora dos convidados chegarem e ela veio antes de todos eles, quando sua mãe tinha que transportar panelas de festa, além de filho pronto na barriga. Filha, no caso, era ela.

A festa era do irmão e era festa de primeiro ano. Se juntar a família que triplicaria de tamanho em 10 anos não era tarefa fácil. E estragar a festa do irmão era tarefa mais difícil ainda. Ela veio sorrindo e dizendo ao mundo que olhos podem brilhar quando há turves, isto centímetro a centímetro. Ela sabia que aquilo ruim era sofrimento, que dor quando dói marca para sempre e que os olhos aflitos devem servir para enxergar coisas que facilitem a vida de alguém. Foi com isto que ela aprendeu que poderia ter uma missão, ela escolheu a sua: cuidar. Era segunda mãe para todo o rebento que se sucedeu no ventre materno, foram mais 12, com ela e o aniversariante, somavam 14.

Moleca de trocar fraudas de moleques, foi crescendo e fazendo sua missão de passear no mundo aflita e ajudando coisas a permanecerem intactas. Ela remexia a vida para que esta ficasse. Cresce menina, cresce. Por que tu tem que dar a luz para estes olhos miúdos que não vieram ao mundo no dia de outro aniversario. Ter chegado logo ali deu a ela o lugar de protagonista da família, o lugar de quem veio para mudar, por que nem o aniversário estava que prestasse.

Ela foi...ela foi para cidade bem grande e eu não sei, nem consigo imaginar, como seus pais ficaram diante daquilo. Acabei de lembrar, disse-me ela outro dia, que sua mãe estava operada e ela mesmo assim foi, ela acha que isto foi grandioso, por que ali ela rompera com sua primeira maternidade, a que ela não quis.

No colégio de sua adolescência, exatamente quando ela julgava dar um passo compatível com o tamanho de suas compridas pernas, ela soube continuar sua missão no mundo. Mesmo tendo sentido que abandonara os iniciadores dessa ela não a deixou. No instante do abandono era possível que ela houvesse desistido da razão de sua jornada, ela queria o mundo. E conquistou aquele mundo de silêncio e mulheres, de juventude ou velhice, por meio daquilo que a motivara.

Foi ajudando, cuidando, que ela desbravou a cidade com seus olhos aflitos, descobriu que quase nada separava a riqueza da pobreza, a pouca idade da muita idade. Por que meninas ricas eram suas amigas e freiras também, embora tivesse descoberto que é muito o que difere os lugares, as pessoas que os habitam, a beleza que os formam.

Um dia ela volta para o lugar de suas lembranças de açude e seca, e lá encontra mais alguns de seus filhos, ela não os gestava, mas os garantia no mundo. Não havia mais quarto pra ela, então achou conveniente saber de outro abrigo. Optou pela capital. Arrumou mais uma vez suas malas e foi achar seu novo lugar. Em pouco tempo achou que aqui cabia mais uma família.

A missionária, em dívida, trouxe todos o os que pôde, o mais rápido possível. Seus filhos ficaram mais próximos, todos eles. Entre amizades feitas e namoros desfeitos, ela conheceu um rapaz acadêmico e viu nele complacência e uma firmeza tímida. Encontravam-se, ou de chegada ou de saída.

De alguma forma ela resolveu cumprir sua missão também com ele. Eles casaram-se. Seus olhos grandes e sempre comovidos olham o mundo como quem sonha, como quem precisa fazer afeto, mesmo fazendo pouco sentido. Há n'ela uma bondade pronta, uma forma de pulsar frenética, o frenesi do auxílio, é visível n'ela o quanto ter esta missão cansa a espera, ela espera e quando quer alcança.