quinta-feira, 22 de abril de 2010

Coca-Cola

Quando este mundo fica mudo dentro de nós
é quando percebemos que o preconceito é real, sai de nós, bate em nós,
nos acovarda, nos mobiliza,
move gestos, olhos, palavras, nos repete,
figuramos
não, não estamos imóveis, estamos iguais,
nem tremulamos nossos olhos, não cintilamos,
batemos, voltamos pro mesmo lugar.

Porque eu estou fatalizada, entendendo que a livraria é lugar de luxo,
que o lugar da luxúria é lugar de medo,
que existe razão pra todos esses muros altos,
para todas essas caras sérias,
para este mundo ser mudo dentro do elevador,

alguém pode, por favor, trocar de lugar comigo daqui há pouco,

Desta vez, sou eu que estou perplexa, acovardada, virei amiga do medo,
sua comadre.

Por favor, alguém troca comigo daqui há pouco?

Preciso ter vísceras, sangue quente, ter altura, ter panorama.
Eu preciso que alguém troque de lugar comigo,
não vou aguentar esta agonia igualizadora por mais cinco minutos.

Eu vejo de novo que a vida é limitada, que pra muitos perdeu a graça viver, pra mim, porque tenho tudo, inclusive medo de perder o sorriso, ainda me resta os suplicios e as próximas euforias. Por sinal, dizem que isso, a manutenção do fremitar dos lábios é mais precioso que as minhas calças e que os meus chinelos. Isto é o melhor que se pode herdar de uma mãe.

Pronto, é a vez de alguém doer de mal estar.

domingo, 18 de abril de 2010

Gertrudes

O começo de tudo foi num ano de muitas chuvas.
Quadra invernosa começara cedo, era tudo porque se precisava lavar as almas.

Gertrudes conhecera primeiro muito bem Joana, que lhe apresentara João

as chuvas vinham de dia, e concentravam-se nas noites, fazendo o céu tremer

João e Gertrudes tiveram que beijar-se, Joana não soube.
Seus corpos molhados, certa noite atraíram-se
Tocaram-se, dentro a dentro
Encheram-se de memórias,
já era o outro dia, o dia de lembrar.
João e Gertrudes, porém optaram por nunca mais se verem, sendo impossível,
a promessa foi nunca mais se verem de tão perto.
Era um acordo que cada um fazia de manter-se ileso.

Depois da morte de Arturo, todos ficaram muito assustados com as coisas que saem de dentro dos corpos.Ninguém acreditava mais nas fábulas contadas pela capas dos livros encantados da Biblioteca da cidade.
Todos se possuiam somente até quando se conseguia manter o controle.
Na verdade, se tocavam na nudez somente quando havia uma vontade de certa forma insuportável, quando só se sabia correr para dentro do outro.
Acordavam nus no meio da mata, e, vez por outra, alguém via, mas não se havia o medo expresso na repetição das falas,
Aquela forma era sim a garantia de que dali, do esconderijo, só sairia o momentâneo. A continuidade que matara Arturo, foi coisa levada pra dentro das casas e Maria ainda estava ali viva para contar.
Porém, ela não contaria, ela morrera de boca. Sua boca morreu, mesmo não tendo ninguém cortado a sua língua. Isto era susto para os seus e para os demais.

O povoado crescia, como se a substituição do amor pelo esconderijo não barrasse sua forma de tomar volume.
As barrigas vinham sem dono, eram só mais gente. Por não haver polêmica, nem fala, nem pecado, isso só poderia ser bom.
As casas eram para as mães e para seus filhos,
Os filhos mais velhos, que já eram os pais, moravam onde os coubesse
Eram moradias temporárias, eram essas casas seus esconderijos.
Era desta forma que se garantia a vida.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

balbucio

Tome pluma suave em mãos, pode ser algodão, pode ser tecido, pode ser algo limpo de qualquer acidez,
Friccione na pele, estanque o suor, que tem cor de sangue, atente para o tamanho da ferida,isto parece sempre importar,

perceba, no toque seguinte, que tanto faz
ela sara,
o corpo por si tem força,
o corpo fica procurando a luz para poder enxergar
o corpo sabe sempre que encontra,
enquanto o clarão não vir cegar o que vê,

O suor com cor de sangue, cansado de escorrer, coagula,
mas antes, a pluma de algodão, tão branco de querer tanto limpar,
limpa,
estanca e se borra todo de borra latente,

borrado de odor de corpo, não serve para mais nada,
o corpo serve,
serve de novo para começar.

Embora ainda tema,
com um tanto de medo que quase o paralisa,
ele prossegue,
vai ele cheio de uma bravura que não compreende tão bem que tem,
segue até o medo passar.

Ele não tem escrúpulos é um desalentado,
um estúpido
um esculpido
como um esperto
e tem uma hora que esta ordem se inverte,
chega o socorro,
o solovanco da vida transforma tudo num passo suave,
num passe de circo as cortinas são vermelhas,

e eu só lembro de amanhã.