quinta-feira, 9 de setembro de 2010

cancro

Daqui de cima vejo vidas arruinando-se,
podia antes ver tudo que quisesse,
até o que não existe, invisível.
Teve um dia no qual algo similar a uma compreensão acertada inventou de ser e eu não fui mais.
Fiquei no lugar das folhas mortas, daquelas nem varridas pelo vento,
das levadas pelas vassouras urgentes.
Estava varrida,
louca varrida, achando varrer os loucos,
achando-me forte, estava eu era dura,
endurecendo,
virando húmus.
Nada morre.

domingo, 16 de maio de 2010

passando

As nuvens voam de leste para oeste,
elas vão, ficam pairando,
são pouco óbvias, mesmo sendo sempre brancas, mesmo cumprindo o mesmo itinerário todos os dias, mesmo eu sabendo que elas são um pedaço do Mar que resolveu voar.

Elas estão voando, sentem-se paradas, pairadas,
são apenas um amontoado que fica vermelho quando a noite se acende.

A impressão que tenho é que elas não são nada,
não as toco,
só as vejo daqui de longe, no horizonte delas,
elas não me vêem, porque quem tem olho é furacão,
dizem que a Lua, quando é cheia, também tem olho,
E o olho da noite tem insônia
e eu, também

A nuvens são brancas, de rota certa e de forma e final fugazes e sem previsão,
Penso que nem tudo que é nuvem precipita,
eu digo que tudo que é gente, sim.

domingo, 9 de maio de 2010

Maria das Dores

A dor causa na boca um gosto de espera,
Há em todas as dores uma forma de anseio incontrolável
que o tempo passe e que se vire logo,
que se pise logo o momento seguinte.
No delírio,
chega-se a querer uma outra forma de dor,
isto é o mesmo que desespero.

A dor não chega a ser apressada,
ela depende de seu dono, o obedece,
Para que ela passe logo
se tem que olhar para o lado, comparar, comparar sentimentos,
tem que olhar pra trás,
produzindo uma espécie de nostalgia que faz gostar do ruim e do que passou
e não daquilo que tinha até cor.
A vontade é de comparar,
se possível for, comprar e tomar um remédio pára-dor.

Dores podem, por vezes, chegar com pressa,
como se quisessem tomar uma vida, ver sangue,

Dor passa, é substituída e finge que nunca existiu.
Sua passagem torna a vida, de certa forma, heróica,
Fazendo fingir que é eterna.
Dor lateja e engana.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Jerimum

Arreganhou as narinas naquela gargalhada. Porque escolhera ser pessoa contida, achou que seria insuportável que alguém visse que suas narinas eram tão largas, encostou sua mão em seus lábios, de modo que seu nariz permanecesse encoberto tempo suficiente para as narinas fecharem-se.

Aquilo era um riso, uma forma de fazer soar a espontaneidade, uma maneira do senso mostrar-se descontroladamente, o senso estava a olhos vistos, as narinas não podiam estar.

Jerimum era como o chamavam. Era um apelido que fazia mais sentido do que seu próprio nome. Seu nome era Ervasir. Seu pai que havia morado 6 meses nos Estados Unidos, conheceu sua mãe, que sempre fora uma setentista inveterada, casaram-se numa cerimônia mais experimental do que qualquer outra coisa e unidos resolveram viver numa harmonia meio frouxa. Eles tinham um cão, sempre era pincher.

Jerimum era rapaz descontraído, de escolher muito o que fazer, escolhia muito bem os gestos, os livros, os alimentos, as bocas que conseguiria abocanhar. Seu apelido era tão antigo que nem lembrava direito se a história a seu respeito tinha mesmo acontecido.

Diziam as crianças que ele parecia as abóboras cortadas para o dia das bruxas importado. Os meninos viam aquelas abóboras na televisão, nos livros, em lugares que eles não conseguiam dizer onde e achavam semelhança entre Ervasir e o formato de monstro leguminoso. Ervasir não demonstrava fúria diante da brincadeira em si, seu furor ficava para uma discussão incomum à sua idade, à sua origem, aos seus poucos dias. Ele queria sempre deixar claro que aquilo não era uma abóbora era na verdade um jerimum. O apelido pegou, os meninos não entendiam muito bem sua insistência em diferenciar coisas iguais e nem entendiam que ele queria na verdade dizer que as duas coisas eram uma só, eram a mesma coisa, que os meninos estavam errados em chamar de abóbora uma coisa que era também o conhecido jerimum.

Ervasir, sempre medindo seus gestos, sempre ensinando a se fazer o certo, cresceu sendo Jerimum. Chateando-se com coisas incompreensíveis, seguiu.

O vi dia desses, coçando seus poucos pelos dos braços como se escolhesse tocar sua pele de forma suave, encravar suas unhas bem cortadas na medida exata da sempre leve coceira se dar por coçada.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Coca-Cola

Quando este mundo fica mudo dentro de nós
é quando percebemos que o preconceito é real, sai de nós, bate em nós,
nos acovarda, nos mobiliza,
move gestos, olhos, palavras, nos repete,
figuramos
não, não estamos imóveis, estamos iguais,
nem tremulamos nossos olhos, não cintilamos,
batemos, voltamos pro mesmo lugar.

Porque eu estou fatalizada, entendendo que a livraria é lugar de luxo,
que o lugar da luxúria é lugar de medo,
que existe razão pra todos esses muros altos,
para todas essas caras sérias,
para este mundo ser mudo dentro do elevador,

alguém pode, por favor, trocar de lugar comigo daqui há pouco,

Desta vez, sou eu que estou perplexa, acovardada, virei amiga do medo,
sua comadre.

Por favor, alguém troca comigo daqui há pouco?

Preciso ter vísceras, sangue quente, ter altura, ter panorama.
Eu preciso que alguém troque de lugar comigo,
não vou aguentar esta agonia igualizadora por mais cinco minutos.

Eu vejo de novo que a vida é limitada, que pra muitos perdeu a graça viver, pra mim, porque tenho tudo, inclusive medo de perder o sorriso, ainda me resta os suplicios e as próximas euforias. Por sinal, dizem que isso, a manutenção do fremitar dos lábios é mais precioso que as minhas calças e que os meus chinelos. Isto é o melhor que se pode herdar de uma mãe.

Pronto, é a vez de alguém doer de mal estar.

domingo, 18 de abril de 2010

Gertrudes

O começo de tudo foi num ano de muitas chuvas.
Quadra invernosa começara cedo, era tudo porque se precisava lavar as almas.

Gertrudes conhecera primeiro muito bem Joana, que lhe apresentara João

as chuvas vinham de dia, e concentravam-se nas noites, fazendo o céu tremer

João e Gertrudes tiveram que beijar-se, Joana não soube.
Seus corpos molhados, certa noite atraíram-se
Tocaram-se, dentro a dentro
Encheram-se de memórias,
já era o outro dia, o dia de lembrar.
João e Gertrudes, porém optaram por nunca mais se verem, sendo impossível,
a promessa foi nunca mais se verem de tão perto.
Era um acordo que cada um fazia de manter-se ileso.

Depois da morte de Arturo, todos ficaram muito assustados com as coisas que saem de dentro dos corpos.Ninguém acreditava mais nas fábulas contadas pela capas dos livros encantados da Biblioteca da cidade.
Todos se possuiam somente até quando se conseguia manter o controle.
Na verdade, se tocavam na nudez somente quando havia uma vontade de certa forma insuportável, quando só se sabia correr para dentro do outro.
Acordavam nus no meio da mata, e, vez por outra, alguém via, mas não se havia o medo expresso na repetição das falas,
Aquela forma era sim a garantia de que dali, do esconderijo, só sairia o momentâneo. A continuidade que matara Arturo, foi coisa levada pra dentro das casas e Maria ainda estava ali viva para contar.
Porém, ela não contaria, ela morrera de boca. Sua boca morreu, mesmo não tendo ninguém cortado a sua língua. Isto era susto para os seus e para os demais.

O povoado crescia, como se a substituição do amor pelo esconderijo não barrasse sua forma de tomar volume.
As barrigas vinham sem dono, eram só mais gente. Por não haver polêmica, nem fala, nem pecado, isso só poderia ser bom.
As casas eram para as mães e para seus filhos,
Os filhos mais velhos, que já eram os pais, moravam onde os coubesse
Eram moradias temporárias, eram essas casas seus esconderijos.
Era desta forma que se garantia a vida.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

balbucio

Tome pluma suave em mãos, pode ser algodão, pode ser tecido, pode ser algo limpo de qualquer acidez,
Friccione na pele, estanque o suor, que tem cor de sangue, atente para o tamanho da ferida,isto parece sempre importar,

perceba, no toque seguinte, que tanto faz
ela sara,
o corpo por si tem força,
o corpo fica procurando a luz para poder enxergar
o corpo sabe sempre que encontra,
enquanto o clarão não vir cegar o que vê,

O suor com cor de sangue, cansado de escorrer, coagula,
mas antes, a pluma de algodão, tão branco de querer tanto limpar,
limpa,
estanca e se borra todo de borra latente,

borrado de odor de corpo, não serve para mais nada,
o corpo serve,
serve de novo para começar.

Embora ainda tema,
com um tanto de medo que quase o paralisa,
ele prossegue,
vai ele cheio de uma bravura que não compreende tão bem que tem,
segue até o medo passar.

Ele não tem escrúpulos é um desalentado,
um estúpido
um esculpido
como um esperto
e tem uma hora que esta ordem se inverte,
chega o socorro,
o solovanco da vida transforma tudo num passo suave,
num passe de circo as cortinas são vermelhas,

e eu só lembro de amanhã.

domingo, 28 de março de 2010

Se puder esquece

Deixo que você vá, mas só com uma condição,
que você sempre me traga de volta quando minhas forças acabarem-se,
que você seja a justificativa de minha loucura,
a insanidade que reservo aos dissabores, às euforias.

Deixo que você vá e que seja bem feliz,
mesmo sua ausência estratégica tendo consumido parte de minha paz.
Sendo eu também responsável,
deixo, afinal não tem mais jeito e perdemos a sutileza.
E por pouco não perdemos também a delicadeza.

E nem vou querer olhar daqui se alguém conseguiria te fazer tão bem ou tão mal quanto eu. Vou ficar aqui com estas tantas coisas que estou sempre escolhendo,
com uma força que sai das minhas encostas,
com uma aventura desleixada que me acompanha, uma preocupação de astúcias,
tecendo uma vida.

Pode ir, nós sempre seremos felizes.

terça-feira, 23 de março de 2010

Perto dela

Ela chegou,
ela e seus nervos.
O casal sentou-se a beira do banco amarelo, olhou para o ar. Sim, porque trás dele não havia nada.
Respirou-o.
Caminhou sobre ele.
Estes nervos são fortes mesmo, pensei.
Desfilou fazendo-se ver pelos passantes,
Falava baixo com ninguém -era o que se via
Ela podia morar ali que ninguém se incomodaria,
Era o que todos faziam entender,

Ela e seus nervos, moravam onde os ônibus param -já estava vendo-os, todos eles saltando de seus cabelos, braços e cotovelos.
Todos os dias flutuam, conversam, alimentam-se de sonhos emprestados, de tudo aquilo que lhe dão.
Ela toma qualquer imagem que a ofereçam como começo para mais um de seus sonhos, ela come imagens.
Ela dorme embalada por sua próprias canções.

Se tem família?
Tem pessoas que querem não lembrar.
Isto pode ser uma família, uma forma de estar, de vir.
Da forma como vai morrer?
Me parece que de fome,
fome de tanto esperar o trem.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Fora

Inventei um novo desafio:
ver de fora.

Remontando cenas acontecidas a partir de um espectro novo
penso que conseguirei sentir de uma outra maneira,
o pensamento, como qualquer outra coisa de mim, também me leva ao êxtase.

Fui e voltei, fui e voltei,

tentei, por vezes, concluir a beleza do encontro como se eu o visse acontecendo,

Cada toque
cada peça a menos
cada minúcia sedutora,
olhos, corpos, bocas
o fim de toda a lucidez,

mas não adianta
não consigo, só consigo enxergar de dentro,
só sei do que se passou aqui dentro,

Não, não sinto muito
Posso dizer que te sinto muito.

quinta-feira, 4 de março de 2010

De ser mulher

O lugar mais comum do mês de Março é a mulher.
Eu, como tal, como membro do grupo que cruza a porta nomeada de 'ela', se enxuga em toalha rosa e apreende, desde o berço, a arte de segurar bonecas, tenho de me localizar. Quero estar bem neste lugar-comum.

Mulheres de Chico, chicas de chicas, mulheres de Andrés, de Joãos. Mulheres de ninguém, de cães, da rua, da vida, dos muros, dos sonhos, dos livros. Mulheres de uma luta única, de timbre singular. Cada uma com sua cruzada de perna, com sua jornada diária, com um jeito de olhar, de sentir-se bela, notada, anotada, fotografada, sonhada, apagada.

Papel feminino é coisa sempre remontada, tomaram os pedaços do que era ser mulher e saíram colando um a um. Neste movimento de rejunte daquilo que fora fragmentado, destruído e até queimado, surgiu um ser que se move em gestos. Cada papel recolocado fez pensar que pedacinhos do que se é ser mulher precisam ser pensados, retocados, postos em um formato delicado, autêntico, voraz.

No rejunte, perceberam que somos de ter coisas só nossas, tão particulares que fazem pensar que existem mais do que dois gêneros. Ser mulher é coisa tão nossa que quando se fala parece até que homem é uma outra coisa, sem significância tão grande quanto nós. Tendemos a sermos densas, profundas, meticulosas, sagazes e isto tudo tem ganhado valor num tempo que avança incansavelmente em dizer-se o mais consciente e onisciente de todos.

A essência feminina ocupa o topo de uma lógica que olha para a própria espécie e a louva. O papel da mãe mulher é exigido. Os retalhos de papéis lançados aos ventos, soprados em todos os outros tempos, unidos, formam a única salvação para o que o trajeto tortuoso criou. O fim só se salva pelo o que é capaz de gerar um bom começo. Mulher, mãe, seu jeito de sentir.
O louvor deste mês vai para o feminino, à fertilidade, à força emocional, à composição de ser mulher.

azulado

me perguntaram até onde eu posso voar, eu não soube responder,
era uma criança, era na praia, o Sol batia cruzado, nem tão fraco como poderia pra me fazer...planar.

duas voltas em pensamentos desconfusos depois, respondo:
meu corpo sabe voar de avião, mas eu agora voei até aquela nuvem.
olhos tomam a nuvem nas mãos,

eu também.
riso suave de quem reconheceu que sempre voara.
pés esfregando-se na areia limpa de Mar,

boas lembranças têm cor azul.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Desaglutinada

Comportamento é o ato de demonstrar que algo lhe comporta.
Sua alma cabe dentro de um corpo que reage aos estímulos de forma peculiar, Mesmo tendo que ser igual.
Eis seu comportamento, você mostrando que vive em algo fácil de ser lido, um recipiente que pré-diz seus atos, que torna seus gestos algo comum aos outros do mesmo espaço, do mesmo tempo.
Você comunga com eles idéias, gestos, bobagens, comida, corpos e sua passagem por uma vida estranha.

Um temperamental é quem teve o que o comporta enfisemado. Encheu-se de bolhas de ar que danificam sua operacionalidade, sua respiração.
Um susceptível é quem cabe em todo lugar, qualquer buraco o comporta.
Um relaxado é quem parece caber nos cubículos mais espaçosos, mas na verdade só cabe num cubo, um cubículo desvairado e ventilado.

Eu sou quase enfisemada, cabendo em alguns outros lugares e gosto do cubo ventilado.
Meu recipiente é uma esfera que quica.

Uma delícia o desvario.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Pra

Interliga-se sujeitos com artigos,
predicativos com preposições,
sons com silêncios,
paz com pavor, com vapor.
suposições com meias-verdades com supostas
conectivos são cognitivos, tudo o mais o é.

Godard me diz que o que é internalizado importa mais que o externo,
eu sou intimista, gosto de quem é,

intimidade de mim é saber que sou chegada a intimidades,
a credulidades sem credo,
a ritos de passageiros entoando cantarolices bobas
a silêncios íntimos,

caduquice mata-me de medo,
meto medo na sanidade
beiro a um ataque de nervos
só quando,
quase quando, quase nunca
tiram-me a paz
e eu fico vendo
que sou ilha do que está quase parado
apavoro-me com esta pressa
fico parada
querendo sair do canto
e não vai

odeio janeiro
com toda a força da alegria dos outros 11 meses
adoro ver a banda passar
e fico aflita com o que vem depois
mas me conformo
conformizo
relativizo
até ver que do canto tenho que sair,
que de canto ninguém vive pela manhã,
eu adoro as manhãs e pegar 10 minutos de Sol
animam o corpo

Vou para o meio,
encontro todos que não estiverem de canto nem atrás da porta.
Aqui também tem janelas.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Ode

Funesto, de tão lento e arrogante

Pesado, parado, prejudicial

Pouco caso, para quase tudo,

Quase nada, querendo ser tudo

E era só uma gente, uma delas,



Empatando as entradas, as saídas

Dando nó.


Era meio caminho andado, pra nada andar

Meia palha seca, sem puder se queimar


O resto verde, separarei do seco e direi que deve estar vivo,

Estará


Até a palha desabar.


Coqueiro é coisa boa pra se gostar

Pensar que cada aba de seu troco foi folha

É pensar que nada passa à toa,

Tudo é destas coisas que ficam,

mesmo indo.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Colando memórias

-De tudo que sou, de toda a minha vida
-Adorarei
-o Verbo

-está no céu, está mar, na extensão do infinito

-Ó verbo
-sopra sobre o que mim está morto

Pronto:
-Ressuscitou.

Palavrear é para todos e para várias direções.

Luz e meia

A meia-luz os contornos se sensualizam,
as saídas ficam escuras,
o retorno é coisa não vista,
lençol branco fica amarelo-sombra,
a linha preta que separa qualquer coisa do ar, vira ar,

falta ar,
sobra água,

(suspiro)

Tocaram-se e fizeram de sua meia vontade
o que uma vontade inteira poderia causar,

Mas a ternura também cansa.