quinta-feira, 21 de maio de 2009

Sobrepondo

Coloquei primeiro um nome,
depois assobiei bem alto, desde os 8 anos estou aprendendo.

apaguei uma vela bem em cima do papel,
cuspi com tudo que vinha de dentro

joguei areia, pisotiei.

O escarro era para fazer-se ir o que vem lá de dentro
A pisadela era para não ter passos da posteridade amargados
o assobio era para espantar maus espirítos.

a vela foi antes apagada pra chama da paixão se ir
antes da mandinga ser desfeita pelo mesmo fogo, agora renovado.
O que desfez papel foi chama de amor durmido dentro de mim,

Como pão durmido é duro e dormir pra mim nunca foi fácil,
preciso de chama forte para sempre me acender.
Acordar também não é meu forte,
meu forte é voar.

Tantra ou Sobre a Alteridade

Eu estive certa até perscrutar olhos que não sabiam o que dizer. Ou, talvez, antes, quando ainda no corredor estreito, abancada após mais uma aula, encontrei solução que fala. Foi isso, a junção dos dois é a explicação de minha não retaguarda. Nem entendo porque quero explicar que não me resguardei, eu sou mesmo do combate, da linha de frente, do rebuliço.





Choveu, como não era de se esperar. Conversei em silêncio sobre alteridade- o outro inseparável de nós. Me espalhei no aconchego torto da sala pintada. Refleti ouvindo The Doors, olhando paragens de tintas sob a tutela de mentes desgovernadas. Aquilo é poesia vertical, por que não? Conversei sobre a pigmentação alheia e sobre o canto dos pássaros. Chovia muito lá fora, já era 20h. Vi uma bunda pintada na parede e pensei que seria hora de telefonar. Não vejo nenhuma relação entre a bunda e o telefonema. Minha memória foi quem me trouxe isso, assim, gratuitamente. Minha memória gosta de me fazer rir.





Chegou. O que fazer? Quando tenho que saltar lembro-me sempre que dediquei anos de minha vida a fazer isso bem feito. A vida, de alguma forma, me preparou para o salto, saltei. Já tinha uma porta de carro se abrindo para que eu entrasse sem que me molhasse. Estavam ali dentro os olhos que não sabiam o que dizer. Foi a primeira vez que os encontrei. Seguimos, inseparáveis, até então. O trafego na cidade oferecia tantos riscos que eu já estava achando ruim ser tão agoniada. A boca, que também não sabia o que dizer, fez um brado em nome da conveniência. Isso me contaminou de uma forma perigosa. Eu sou tímida e me sinto sempre na iminência da morte. Tenho medo de morrer na memória das pessoas, desde pequena. Ser tímida explica um pouco deste meu medo. Por conta disso eu me tornei insistente. Quem passa, que fique. O brado me indicou que havia uma intimidade em jogo ali, eu arrisquei não perdê-la.





Meu corpo teve que encontrá-lo, não sou de deixar ninguém se debatendo em desespero sem nada fazer, ele precisava de minhas mãos. Armadilha, sabia. Ali eu deixei de vez de estar certa e atirei-me numa descompassada e perigosa aventura: eu queria retê-lo. Sabia que não podia, sabia tanto que ali estava, por cima de qualquer coisa eu estava passando de novo, em nome da abdicação de nosso encontro. Deveria abdicar porque embora sofra de vício pelo silêncio, como qualquer aspecto viciante, este não é de fácil lido. Eu não sei lidar com a solidão que o silêncio provoca. A solidão para mim é apavorante, tenho ali o pavor que o esquecimento me traz. Meu corpo se despediu dele e trouxe em si seu cheiro de esperas confirmadas e, agora, de saudade.

sábado, 9 de maio de 2009

Como chegar ao outro lado?

Foi ali que vi que tenho angústias e medos maiores que 20km de caminhada.
Quando o sol rasgava a mata pouco densa, quando a noite estava tão distante que nem era lembrada, quando eu não sabia que levava-se mais de 4 horas para cruzar uma chapada com meus pés a firme pisada.

Respirava muito naquela tarde. O que mais fazia era dar passos e respirar, a mente ora aquietava-se ora acelerava-se e eu desembestava na floração endiabrada dos meus devaneios.

E se quando chegarmos lá não houver mais transporte que nos leve de encontro a hospedagem?
E se quando chegarmos na metade do caminho eu, ou qualquer outro, tiver tanta sede ao ponto de passar mal em desmaio?
E se algum malfeitor sair do mundo fantástico ao nosso encontro?
E se eu levar uma daquelas minhas topadas que quebram osso?
E eles são todos mais novos, sendo eu a responsável pelo desatino que pode nos levar ao fim do caminho, mas pode nos levar ao sumiço absoluto. Responsável por conta de um ano, eu concluía. Bem pouco responsável então, aquietava-me.

O que queríamos eram aqueles passos desvairados, aquela noite menos distante, a incerteza e a sensação de abandonar o mundo por horas a fio. Queríamos cachoeira para lavar o cansaço. Era também nossa vontade saber-se conhecedores de mais uma mata, sendo esta desbravada sem guia, sem água, sem rota, sem fim e com chegada.
Dominávamos os passos acelerados mas confundíamos os pés, como crianças que têm medo de pisar em solo novo.
Uma hora de caminhada depois, já cansávamos da ausência de outras cores, de outros sons, das mesmas vozes, de tanto verde. Duvidávamos do nosso descanso, pairávamos sobre terra molhada. Em algum momento fingia flutuar para descansar os pés e a alma.
Descobri que dor de caminhada pode dar nas panturrilhas, ou nos quadris, ou nos dedos dos pés. Os corpos se correspondiam e falavam um ou outro o que mais doía e o que mais temia.
Eu enganei os passos e os ouvidos, fingindo que não temia nada, enquanto até as árvores que cortavam o caminho corrompiam a constância de minha respiração.

Ali vi de perto medo fundado-disfarçado, medo e precipício, sede e corrosão, força e peso, certeza de anos bem vividos, passos para insistência e tanto verde que azul ficava.