terça-feira, 27 de outubro de 2009

El

valhei-me que era dia de sorte e eu pensei que tivesse beirando a morte

Incendiei verbos em frases, não cheguei a bufar.

Meus olhos piscaram em desenfreio,
Ardilosos, meus lábios não se aquietaram,

Passei um dia em meio silêncio
E se falasse podia se ver fogo por entre os dentes,
o diabo tava aqui dentro

eu pensaria,
diabo entrou enquanto eu dormia mal
quando se dorme bem é porque anjo bom está guardando

eu ainda creio que meu anjo me abandona quando durmo cedo da manhã

Senti ele me visitando dias antes, mas de anteontem pra ontem foi o diabo

Ele ensopou meu dia com a raiva e com a pólvora.
Passou, passou.

No outro dia, acordei vendo dois milagres de deus,
e o diabo era deus,
eu que era o diabo.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Uma coisa que tinha

Tinha ela, aquela menina,
uma coisa em seus gestos,

um sabor encruado,
um medo de pecado, um olhar nada explicado

tinha mãos calejadas,
eram vassoura e rôdo

tinha calos nos pés,
eram passos demais

Era flor até não acabar mais,
Cheiro de flor, anúncio de voz
flor na alma,
flor no cabelo
flor de medo
flores murchas

Seio com textura de flor,
cabelos
e olhos com veludo

Dormia no jardim quando podia
Não gostava da noite,
gosta do dia.
Gasta dias gostando dos dias.
Perde horas junto com papéis,
Tudo leve pra ela, papéis e horas.
Há arrepio nela quando a esperança é vista e quando a morte vem.

Suas palavras pronunciadas eram poucas, se comparadas ao tanto que se fazia com os olhos
Ela queria falar e não sabia pro onde começar,
devolvia presentes quando não gostava
sempre falava quando a alma árdia
ainda hoje é assim.

Ela é ele,
Como poderia?

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

enlace

Mudei desde o primeiro dia que vim ao mundo, nasci vermelha, com bochechas grandes, rugas, um bebê feio e sem dentes. Minha mãe me amou mesmo assim. Não sei quem pôde amar mais, a que me carregou ou o que me quis. Sim, porque ele queria mais um filho , ela sim, mas bem menos. Elas também me amaram muito, por isso que sou tão devota.

Fui crescendo olhando o mundo como se ele fosse só aquela rua e a escola, e, também, a piscina do clube, o espelho da academia. Quem olhava via que eu carregava um ar de vergonha e de desamparo, de medo, mas vontade de ousadia, ousadia de vontade, podia-se ver um prazer enorme em chegar e um olhar que queria ver tudo.

Tinha cachos dourados e pele bronzeada, veio comigo. Tinha risada engenhosa e franjas curtas muito mal cortadas, era uma dessas crianças que cortavam gramas, cabelos, papéis. Atendia aos chamados das vozes femininas que enchiam a casa.
Não gostava de escutar críticas, por isso sempre andei na linha, quando não andava caía e doía bem no osso. Adorava a transgressão involuntária que vinha sempre depois das 19h, em cima das árvores, enquanto esperávamos a disposição paterna se deslocar pra nos salvar das areias já escuras e dos monstros imaginados da Escola.

As bananadas doces e brancas das manhãs me faziam crescer, e com um tempo ganhei a altura que sonhava ao abrir a geladeira e querer ver as coisas de cima. Certa vez, quando ainda tinha pouco mais de um metro, abri a geladeira e desejei vê-la de cima. Puxei o banquinho dos áfazeres de pai, e, ainda de geladeira aberta, fiquei a postos mensurando como seria ver aquele depósito gelado dali há alguns anos. Era o dia de querer ser grande.

Não acordei grande, mas fui desejando correr, ir mais longe, ver do alto, ter animais, ter filhos, amores, comer cobertura de bolo, tocar nas estrelas, nunca mais ter piolho.
Desejava nunca me separar das minhas irmãs, nunca ter que pedir no sinal, nunca deixar de ir visitar minha mãe no trabalho, nunca mais cortar o cabelo da próxima boneca -embora admitisse a enorme beleza das madeixas encurtadas, era ruim saber que não se podia voltar atrás. Pensava uma forma de encurtar os cabelos delas sem precisar cortá-los, achava uma pena cabelo de boneca não crescer.

Éramos as três sempre as mais ousadas que via por perto. Queríamos sempre ter em nós a marca da diferença, da criação, da vida bem vivida. Reuniamos em nossa casa, com muita facilidade, uma multidão de meninos empiolhados e cheios de sorrisos pra brincar, cantarolávamos o sucesso das rádios em cima dos muros, como se a vida não passasse dos limites da nossa voz. Não sabíamos o que nos aguardava, mas estavámos sempre certos que a aventura seguinte valeria.

Hoje me dei conta que sou adulta faz tempo e que ser criança foi das coisas melhores já feitas. Não largo a infância porque tenho nela a impressão de que tudo se emenda, que uma canção de verão cantada com força é uma das coisas mais úteis de se viver.

Tem outras coisas também que dão utilidade à vida. Gestos, amigos, risos, invenções, folhas em forma de corações, rodeadas de flores amarelas, tudo na terra cinza, traz à lembrança de uma sôfrega e carinhosa infância, debaixo de um pé que não tinha fim; me lembra que tudo começou em mim junto com aquela raíz extensa que optou livremente por se enraizar e manter-se viva. Aquilo arvoriava o lar simples, complacente e serenado. Nunca, nós, árvore e arvorados, soubemos dos pontos finais e do final das alturas, de alguma forma tudo nos foi ilimitado e burlesco, burlativo, bucólico. Borrávamos até o céu se quisessemos, adestrávamos formigas, cozinhávamos onde queriamos, reinventávamos as regras, recordavamos um passado que não era nosso, faziamos qualquer coisa.

Tenho a sensação de que os primeiros anos nunca saem de nós. Tenho a sensação de que pensar nisso torna os dias mais entregues, com noites bem dormidas, com brincadeira, brinquedo, força e risos.

domingo, 11 de outubro de 2009

Eu vou acordar

Tem dias que sonho ruim e tenho a sensação ainda velada e de olhos cerrados que posso optar por acordar,
eu desejo acordar, digo ao corpo pra ele fazer isso, mas era sonho
não se manda em sonho dormido,
nem em sonhos acordados

Sonhar é coisa incontrolada, descontrolada, sem beira, é isso.
Sonho não pode ter fim,
e nem começo,

Quando se sonha você tem que levar até o fim da vida, não se deixa de sonhar,
quando se dorme e se acorda, não dá pra dizer como se diria sobre um filme, 'o sonho acabou assim...'

eu e o sonho, somos entrelaçados:
vivo em estado de calamidade onírica,
sofro de infinidade de pensamentos,
sou um sonhador

acordo suado, molhado e sem tempo para levar sonho adiante,
sonhos antes de dormir me tiram o sono e me impedem de ver o fim do sonho de quando durmo-acordo.

Sonho, sumo, retorno.
Tudo era devaneio turvo, torto .

a vida recomeça, mas só depois de sonhar de novo que tudo vai tomar o rumo previsto,
que o prumo foi retomado,
é tudo desejo, é tudo força daqui do peito,

a vida toma fôlego,
toma chão, paredes e teto- em breve-,
e a casa tomba
de novo, chão, paredes e teto,
e tombo.
Chão, piso, ladrilho, tudo novo, cheira a víceras dando força.

A ordem: tênis, cerveja e teto
mais uma ordem: beijo, gozo, teto.

Eu quero ver uma vida que não se assemelhe a sonho.
Vida e sonho se confundem
porque só se termina pra se dar um novo começo,
então nada tem fim.
E vida é sim algo pouco real, desde que se queira.