segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Sobre dedos

Ele se encostou na parede fria e branca bem ao meu lado.
Sua estatura era quase a minha, sendo menor duas unidades de dedo.
Tu tá acompanhando alguém?
Não, vim arrumar meu dedo. É só uma besteirinha, mas não consegui atendimento em outro hospital, acabei vindo aqui mesmo.

Calados, olhávamos um homem que sentado segurava o braço de extremidade ensanguentada, havia perdido duas unidades de dedo numa máquina.
A impressão que eu tive é que a máquina era tão íntima da violência às garras de quem a utilizava, que ninguém nem lembrava de dizer que máquina era aquela. Era a máquina. Implícito ficava: aquela que sempre corta dedo.
A máquina demonstrou seu potencial destruidor na fala da mulher, a mulher do homem que esperava suturar o que sobrou dos seus dois dedos.
Quando falei que achava incomum algumas pessoas adaptarem-se a um contexto tão vermelho, ela veio dizer que sempre trazia muitos homens cortados. Eles se cortam na máquina e eu sempre os trago. Acostumei. Aquele dia fora seu esposo.

O rapaz de verde, com a insígnia nas costas de Zelador, atentava pra minha conversa besta de quem cortou o dedo e sangrou pouco. Me cortava, sem me fazer precisar de pontos, demonstrando que era uma pessoa que já viu muito sangue ser derramado. Ontem mesmo foi um cara que levou uma facada, o ar saia de dentro do buraco. Eu dizia eca, seguido de um ‘já chega deste papo’ simpático.

Sangue seco era ao que o homem barbado, encoberto de pobreza cheirava. Ele veio e dividiu o corredor conosco. Eu, sem suportar o cheiro, encostei meu olhar numa grande instalação, um aparelho de qualquer coisa indispensável ao funcionamento do hospital. Por causa do cheiro nauseante, lembrei-me muito bem que sou pessoa muito curiosa. Passei os muitos minutos, enquanto aguardava a ausência do homem, olhando atenciosamente os botões multicoloridos do canto do corredor. Isso ou o vômito.

Observei, sobre a moça que aguardava na maca o atendimento, que suspeitavam de traumatismo craniano (TCE). Daquele lado, ouviam-se os relatos do recém sofrimento. Este tipo de fala doída era o que mais se escutava. Todos queriam relatar as lástimas das dores sofridas.

Eu já queria ir embora. O dedo milagrosamente curou-se em instantes e eu parti. Convencida que viver produz muito sofrimento, mas antes da morte tudo sara.

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