quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A 03 e o Individualismo

Sigo até a parada. Ela situa-se embaixo da sombra de um coqueiro. A planta alta e 10 metros verticais tem um cacho bonito de cocos verdes e frondosos, com ares de doces e duros. Eles me assustam, penso todos os dias se um caisse na cabeça de um inocente usuário do transporte urbano de Fortaleza como acabaria o pobre coqueiro. Gosto de coqueiros. E o IJF é logo ali.

A Rua é estreita e cheia de movimento. Quando olho para onde os carros sempre vêm, vejo vir poeira cor de asfalto, carros com pouca pressa- os mais agoniados, e não necessariamente apressados, sempre buzinam- ônibus desajeitados e ciclistas com seus bonés.

A 03 demora ou chega depressa. Quando chega nem pára, já subi.

No dia de ontem ela veio por entre uma mágica nuvem de fumaça-negra, parecia ter vindo do inferno para me buscar.

Entrei, desejei bom-dia-pouco-correspondido. Entreguei a nota de dois reais. Recebi duas idênticas moedas amarelas, de troco. Foram pro bolso, achar bolsinha naquelas condições era pedir pra ser socorrida na próxima curva por um companheiro de luta e em seguida ter que superar os olhares curiosos, além de ter de lidar com o mais novo hematoma.

Avistei um acento disponível no ambiente mais confortável do pequeno recinto ambulante. Lá atrás.

Lá atrás salto sentada, não tenho onde segurar, Lá atrás, nunca cabe todos os cinco passageiros nos cinco bancos, Lá atrás pega mais sol, em consequência disto, meu frescor pós banho -sim, eu tenho direito a isto- é eximado em instantes.

Lá atrás fui até chegar à Reitoria.

Passamos coletivamente, como sempre, pelas tumultuadas paradas da Praça do Coração de Jesus, do Carmo, da Bandeira, Padaria, Carandiru, Farias Brito, Aqui, Cefet (a da Farmácia, tão querida, foi abolida; ainda não entendi se porque a Farmácia adiantou-se 50 metros na [Rua]Senador Pompeu ou se pela nova lei, bem cumprida de Topic usar somente parada de ônibus).

A do 'Coração', os aventureiros novos de cada dia nunca a visualizam, fato que provoca a explicação, em tom aveludado e livre de toda a pressa, daqueles que chamam trocador (o plural desta palavra é ela mesma, ou seja, os trocador)

: O Coração de Jesus é ali ó, dobra a esquina, tu vê lá a Igreja.
(gestos e mais gestos acompanham a frase)

Sacudindo-me furiosamente, em função do ímpeto velocista do motorista indo de encontro aos incontroláveis buracos da charmosa Clarindo de Queiroz,

segurando as avolumadas apostilas dos vários estudantes do Farias Brito, vou normal trafegando e trafegando, tentando esquecer que a 03 demorou mais que o 13 de Maio/Rodoviária o que induziu-me a um atraso involuntário. Nem é bom lembrar que há música no cubículo, música frenética, tráfego frenético, minha memória que não lembre depois que música era aquela.



Antes de chegar à Reitoria, acho interessante comentar sobre um belo gesto que existe e tão bem se repete dentro das apressadas 'Topics'

, o movimento de segurar objetos alheios.

Nos ônibus isto acontece, no entanto, um típico passageiro de topic, não sei se pra lembrar de sua condição humana soterrada pela sequência de agruras, quando acometido pela caridade da van ele é mais cordial que sua própria média,

vá entender.

A topic é um espaço de transformação temporaria de indivíduos.

Quando o passageiro, que ajudou o parceiro a não tombar sorrateiramente com os beiço na porta, desce do cubículo ele pensa:

É melhor ajudar antes que depois.

Entre e sinta-se em casa. Eu desço aqui.

Um comentário:

  1. Ninguém comenta, eu vou comentar.

    Morri de rir lendo pela sétima vez este conto,
    acho que o individualismo perpassa nossos movimentos, está nos acentos e na forma como se guarda as moedas.
    Acho cansativo andar de 'topic' pq elas balançam, mas este balanço tem uma forma de humorar o dia e ísto é só mais uma forma de ver.
    É bom estar em companhia de desconhecidos e ser urbana, calada na van, ouvindo mulher loura contar sua vida para o rapaz de espinhas.
    Concluo: e nem somos tão urbanos assim.
    Esta é a Fortaleza, quando o sertão chegou, ela existiu. Aqui repousa uma identidade entre prédios e rios secos, autêntica e nossa.

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